quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 2

Me atrapalhei um pouco lá por Parati, depois as férias seguiram e, pois é, e todos aqueles textos que eu prometi colocar aqui, onde foram parar? Calma, já estão devidamente publicados lá no site da revista Aplauso e agora, aos poucos vou trazendo praqui. Resquícios da FLIP. Bueno, já demorei demais, então chega de conversa e vamos a minha segunda coluna sobre a Festa Literária Internacional de Parati.

A QUESTÃO DO PAPEL DOS LIVROS

Uma das coisas que eu estava mais curioso pra ver aqui em Parati era a tal discussão sobre o futuro do livro, esse lugar comum que tem perseguido a literatura nos últimos tempos mais do que o bucólico cheiro de terra molhada. Estava curioso pelo tema em si, mas também por essa situação que lembra um pouco a lógica da vacina: injetar o veneno, o vírus, no organismo pra criar anticorpos e defesas contra a doença. Digo assim: trouxeram pra uma festa literária, de celebração dos livros, de filas de autógrafos, duas mesas pra discutir se um dos motores dessa coisa toda não tá pifando. Sim, falo das duas mesas que envolveram o historiador e diretor da biblioteca de Harvard, Robert Darnton - uma com o diretor da Penguin, John Makinson e a outra com o historiador da cultura, Peter Burke.

Mas aí, rapaz, chego em Parati e, caminhando com minha namorada pelas ruazitas do centro histórico, descubro algo tão significante pra esse assunto das duas mesas. Algo tão eloqüente quanto as declarações do Darnton sobre os riscos de se entregar ao Google e a empresas privadas o monópolio da informação e do conhecimento; tão assustador quanto o John Makinson falando da Amazon apagar livros do Kindle alheio; ou o Peter Burk questionando sobre a perda da capacidade de ler devagar.

O que é que pode ser tão simbólico?
Uma fogueira de livros?
Uma distribuição de e-readers?
Dezessete andróides do Paulo Coelho, reproduzindo e-books do mago 24 horas por dia?

Não.

Um estande da companhia Suzano de Celulose.

Presta atenção: junto da livraria da FLIP, perto de onde os autores autografam, tem uns espaços alugados por empresas pra se divulgar. E um deles foi alugado justamente pela Suzano. Todo, todo decorado com os motivos do "papel polen bold" (aquele amarelinho dos livros), exaltando suas qualidades pra leitura, cansa menos os olhos, permite ler mais livros e assim obter mais conhecimento e, logo, fazer um mundo melhor. Sim, esse discurso está no folder que se encontra no espaço. Estão fazendo um belo investimento pra me convencer de que é bom ler no papel. É mais ou menos como fazer uma campanha pra dizer que água é bom pra tomar banho.

Cara, a turma do papel está assustada mesmo.
Vieram se defender.
Chega a ser esquisito.

Deixa eu contar mais um pouco: o estande é meio lounge, tem pufes, luminárias e livros pra quem quiser sentar ali e ler em um bom polen bold. E mais: em um espaço especial, uma moça lê initerruptamente, livros inteiros. Na sexta, por exemplo, leu todo o Luka e o fogo da vida, do Salman Rushdie. Leu sem parar durante quase cinco horas, e quem quisesse podia colocar fones de ouvido e acompanhar a leitura dela.

Um tanto bizarro, um tanto surreal, mas também muito parecido com as mesas sobre a questão dos livros: escancara o tema do momento e bota pra pensar, pra perguntar. Por exemplo: não vi até agora ninguém lendo um Kindle ou um Ipad por aqui. Na verdade, vi muito poucas pessoas lendo aqui em Parati. Mas no estande da Suzano sempre tem um sujeito ou outro agarrado num livro. Outra coisa é essa mulher que hoje vai ler um livro infantil e depois uma das tantas obras que tem lá na biblioteca que a Suzano oferece: além de estar comprovando o que o pessoal da fabricante de celulose quer comprovar - que o papel não cansa os olhos como uma tela -, ela está também nos lembrando do seguinte: meu chapa, livro não fica sem bateria nunca, pode ficar chato, lento, enrolado, mas não vai nunca apagar no meio da leitura.

E isso significa o quê?

Tudo e nada. Assim como as mesas sobre a questão dos livros aqui da FLIP, o estande da Suzano, ao mesmo tempo, reforça o pavor e o medo de que o livro impresso esteja mesmo sumindo, e a esperança de que sempre vai ter um canto pra gente ler em bom e amarelo polen bold.

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Só pra não perder o hábito de fazer comentários rápidos:

1 - Não lotou a mesa sobre o futuro dos livros na sexta de manhã. Apesar de tudo o que eu escrevi aqui em cima, na verdade, ninguém está tão interessado nesse assunto assim?
2 - Pauline Melville e William Boyd fizeram mais uma boa mesa com bastante espaço para a literatura e reafirmaram uma tradição que a FLIP tem pra mim: a de me fazer voltar pra Porto Alegre com uma lista de autores para ler.

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