sábado, 24 de dezembro de 2011

Por Causa das Estatísticas

Rapaz, acho que o blogue que eu peguei no wordpress era usado, de segunda mão – pra falar a verdade, quarta, quinta, Variant 62 em bom estado. Não, não que esteja dando problema, não apaga pra subir na lomba (o que seria uma lomba prum blogue?), não aquece o radiador (demais fazer metáforas nonsense), ele funciona bem, vai que é um Dodge.

Tá, então donde é que tu tirou isso, me olha o Suposto Leitor de revesgueio.

Não, é que, dia desses, sem nada pra fazer, tava fuçando nas estatísticas do Loira de Bigodes – os blogues tem esse serviço oswald-souziano , pra ver quantas pessoas acessaram, de onde vieram, do que se alimentavam, essas coisas fundamentais. Pois aí cliquei num linque que me mostraria as estatísticas específicas de um post específico e wow: abriu uma tabela mais velha do que eu. Uma tabela, a la Excel que me oferece a possibilidade (fantástica, necessária) de observar todos os acessos do post específico entre hoje e o ano de 1970. Mas vem cá, em 1970 a internet devia ser preto e branca.

Ó, o lapso espaço-tempo da dona internet

Mas que desperdício de pixel.

Primeiro, fiquei pensando que isso deve ser um trote que os caras dão no estagiário do wordpress. O guri espinhento chega lá no escritório e os caras dizem: ó, precisamos de alguém que consiga fazer uma tabela pra mostrar os acessos dos nossos blogues desde 1900 (na verdade o guri ainda tá programando e eu vi uma versão beta – e os veteranos tão rindo dele). O que seria o próximo trote: criar tudo o que fica atrás da tela dos blogues?

Sei lá.

Mas na verdade acho que isso pode ser um recado, um lembrete dessa mania da internet (sim, tratá-la-ei como uma pessoa a partir de agora) de achar que é coisa mais importante da nossa vida, que nos pegou no colo, que sempre esteve lá quando a gente precisou dela, seja no passeio do colégio pro parque Siant Hilaire, seja no nosso primeiro porre, a internet sempre existiu. Talvez seja até um ato falho da internet. Ups, eu disse 1970? Jurei que tinha falado 2000... é parecido, né, mil-no-ve-cen-tos e se-ten-ta, dois-mil...

Que parecido o que, dona internet? 1970 e anos 2000 só se parecem nas modas que ficam voltando e em ser uma década porcaria pro meu time, o Grêmio. Não vem com essa. Aliás, olha aqui, ó, internet, o tiro saiu pra culatra. Quando vi aquela tabelinha fui pensando, mas, pô, não tinha internet (nem Reginaldo) nos anos 70. Nos 80 e nos 90 eu vivia muito bem sem ti. Com minha Barsa, a revista Descobrir, as Placar, o vídeo game, o Master e o telefone fixo, vou te dizer o seguinte: eu vinha me virando muito bem. E tenho dito.

Quer dizer, sabe, suposto, depois de escrever isso, fiquei com um cutuco: a próxima vez que eu acessar uma dessas estatísticas, periga vir uma tabela desde o ano 1 d.C. Vai ser a internet mordida, querendo me deprimir, mostrando que há mais de dois milênios a história se repete: ninguém, além do Suposto, acessa meu blogue.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Por Causa da Blowtex

“A Blowtex orienta seus consumidores a não utilizarem o preservativo, como medida de precaução". Mas, Suposto Leitor, vem cá, meu camarada: a medida de precaução do vivente não era, justamente, o preservativo? Que é isso, a meta-precaução? (releve o trocadilho).

Pois foi essa a notícia chocante do dia.

A Blowtex, muito educadamente, avisou a imprensa, que nos avisa, que há um pequenino lote, coisa de nada, de OITENTA MIL CAMISINHAS que devem sofrer recall por causa de um “problema (que) poderá afetar a resistência do produto”. Não bastasse essa informação preocupante, tem um detalhe que é o sobrenome do produto em questão: Blowtex TURBO. Não é a camisinha pro amigão que quer fazer amor-gostoso cheio de carinho e dengo. É a do campeão. Ele quer botar pra quebrar. É turbo, é nitro, é como se não houvesse amanhã. Mas há amanhã e depois, e a camisinha tá com problema de resistência (ao contrário do turbo-man) e nesse amanhã que vai raiar pode surgir um turbo-man-jr, meu chapa, quando não coisas bem mais complicadas e que ninguém planeja pra vida.

É como aqueles recalls da indústria automobilística. Olha, a gente se deu conta que o freio pode não funcionar. Ou que o motor pode explodir. Mas pega teu carro sem freio e com motor-bomba e vem aqui na oficina que a gente troca e ainda dá uma encerada. Ai, pelo menos eles avisam, se não avisam era pior, eu sei que o Suposto Leitor tá de braço cruzado, me reprovando e dizendo isso. Sim, claro, inequívoco, melhor avisar do que não avisar. Mas o melhor mesmo é perguntar: por que raios botar o produto na rua e DEPOIS testar? Sim, porque é só o que eu posso imaginar. Se tivesse testado antes, não precisava fazer o tal do recall, tô certo, seu Suposto?

Voltando ao Turbo pifado da Blowtex, fico pensando na validade desse recall. Vejamos: camisinha é um troço pra toda a população (ou deveria ser) e a gente sabe que nem todo brasileiro é chegado numa leitura de jornal. Então eu pergunto, será que todo mundo vai ficar sabendo dessa informação? E, mesmo que fique todo mundo sabendo, será que vai ser a tempo? Convenhamos, em geral, camisinha não é vinho que o cara ou a cara compra e deixa guardado pra amadurecer, pra trabalhar (ou pra aguardar um anúncio de recall). É pra trabalhar na hora. Ainda mais a Blowtex TURBO. É aquilo: o sujeito bota a cueca da sorte, tasca um Axe Duplo no sovaco, passa na farmácia, compra a Turbo, toma um Mad Dog e diz É HOJE. Não é assim?

Fora isso, ainda tem a questão climática da coisa. Não é uma anti-propaganda só da Blowtex Turbo. É de todo o conceito de Use Camisinha. Pô, já faz um tempão que os ministérios da saúde e as próprias marcas de preservativo vêm tentando com campanhas e sei-lá-mais-o-quê convencer a moçada (e principalmente a velharada, depois do Viagra) que a camisinha não é um anticlímax, não é chupar bala com papel, não é uma pausa inadmissível na hora do fogo irrefreável (que nem os carros de recall) da paixão, não é broxante. E, agora, imagine a cena. O casal consciente-apesar-do-tesão-louco arrancou roupas, quebrou abajour, correu, pulou, fez, aconteceu e ela manda aquela pergunta de propaganda (não sei por que, mas em propaganda é sempre ela quem pergunta):

- Tens proteção?

Ele dispara pralgum lugar onde sabe que tem, tem sim uma camisinha, o mais rápido que pode, pra esses 10 segundos não esfriarem a função, e volta com o pacotinho. Pronto, vambora. Mas, com essa novidade do recall, temos que esperar ainda mais uma etapinha:

- Hmm... Blowtex Turbo... sabe o lote? É do 16JUN-B?

Pois é. Mas como diria o comercial aquele de aparelho-pra-queimar-gordurinhas-sem-esforço, não é só isso, tem mais:

E quem já usou o lote 16JUN-B? O amigão de uns parágrafos acima? Além de descobrir que o sexo não foi tão selvagem ao ponto de arrebentar a camisinha, pode ter descoberto outra coisa: um herdeiro. Nesse caso, qual o recall, o que a Blowtex vai trocar ou ressarcir?

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Por Causa do Suplemento Pernambuco e do Ondjaki

Suposto Leitor, como tá? Camarada, vim aqui dividir com quem ainda não visitou o Suplemento Pernambuco o texto que publiquei lá na edição de outubro do jornal. Um pouco maior do que o que eu costumo escrever por aqui, mas, ah, força, Suposto.

***************
As Suspeitas que cercam o "maravilhoso"

Já faz um tempo, participei como mediador de um encontro do Ondjaki com estudantes, durante a Feira do Livro de Canoas. Conversar com ele sobre alguns aspectos de AvóDezanove e o segredo do soviético, ouvir o cara contar da existência real da personagem título, assim como da misteriosa AvóCatarina (e de como ela foi misteriosa pro Ondjaki na infância) e de tantos aspectos biográficos que ele não tem medo de assumir em relação a esse seu livro – ou a outros – me fez relembrar do prefácio de O reino deste mundo, de Alejo Carpentier. “Mas o que é a história da América senão toda uma crônica da Realidade Maravilhosa?”, pergunta Carpentier ao final do prefácio. E eu pergunto, no início deste texto, o que é a história da infância do Ondjaki senão toda uma crônica da Realidade Maravilhosa?

É mais, muito mais coisas.

Mas também é uma crônica dessa realidade maravilhosa, ou fantástica, que vive na memória do Ondjaki. Imagine um cenário assim: uma ex-colônia portuguesa, recém independente, transformadaem país comunista com apoio da URSS. Também uma terra onde convivem a população formada de muitas tribos com russos e cubanos. Ainda um país onde crenças tribais angolanas se misturam a ideologias comunistas. Um lugar onde dialetos locais se embolam com português (de Portugal e das novelas brasileiras), russo dos soldados e espanhol (ou cubano) dos professores, médicos e militares que davam suporte ao regime frente às tentativas de invasão sul-africanas. Consegue imaginar? Pois esse é um pedaço real da história de Angola e do Ondjaki, e me parece que só narrar com objetividade essas histórias – se é que isso é possível – já daria um livro de realismo maravilhoso, não?

Talvez alguém aqui responda “sim, mas e daí? Não é assim com Mia Couto e a realidade moçambicana, o Pepetela e a sua Angola?” E talvez alguém ainda arrisque um aprofudamento maior no assunto, me questionando se, no final das contas, a África de hoje não representa pro realismo maravilhoso o que representou, na época do boom, a América Latina. Duas regiões ainda por explorar, repletas de mitologias e heroísmos, seja das suas religiões, seja das suas guerras de independência ou conflitos históricos. Pode ser, pode ser e acredito que isso seja verdade. E daria pra gente seguir essa conversa por esse lado. Mas, calma lá, não vamos perder o assunto.

Assim como eu fiz, pare pra pensar nessa realidade maravilhosa na qual viveu Ondjaki e imagine no que poderia dar se esse cotidiano fantástico fosse observado não pelos seus, mas pelos olhos de um criança? Um menino que vê a sua PraiaDoBispo e a casa da sua avó ameaçadas pela construção de um mausoléu em forma de foguete espacial pro corpo do Camarada Presidente Agostinho dos Santos e mais não vou contar?

Aí a gente dá um passo adiante com o Ondjaki, que faz mais do que deixar que “o maravilhoso emane livremente de uma realidade estritamente seguida em todos os seus detalhes”, como diz Carpentier no seu prefácio. Ondjaki pega essa realidade difícil de acreditar pra quem não viveu e traduz pra gente com o olhar de um menino, com toda a ingenuidade, simplificação, poesia e criatividade que uma criança pode ter ao contar uma história. Ao simples narrar o maravilhoso, adiciona a escolha de um narrador bastante específico.

O resultado é um clima de dupla suspeição ao longo da leitura. Ondjaki somou ao maravilhoso da realidade angolana o maravilhoso de um narrador mirim com vocações poéticas. Há muito o que se suspeitar do que conta esse “altereguinho” do autor. Houve mesmo explosões na PraiaDoBispo? O médico cubano dançou tango com sua avó? Saía água da bomba de gasolina? Se espalham pelo livro pequenos e grandes segredos que se somam ao prometido segredo do soviético do título – que talvez nem seja mesmo o mais importante da obra. Até porque esse soviético Botardóv (um dos tantos nomes divertidos dos personagens de Ondjaki), me parece, não tem só um mistério.

Mas segredo mesmo é a mistura toda que o Ondjaki faz de um período da história de Angola com a imaginação infantil. Isso dá ritmo e leveza pra leitura a tal ponto de se esquecer, por vezes, ou quem sabe no livro todo, que se está em contato com uma época muito dura pra um país e sua população. O pano de fundo apresentando na obra, esse período pós-colonial de Angola, nas mãos de escritores mais raivosos, panfletários ou com tendências a dramalhão poderia ter resultados muito diversos, pesados, obscuros e não sei se tão eficientes. A pequena aventura dos meninos protagonistas em defesa das casas da PraiaDoBispo, e as descobertas que fazem, acontecem num país em guerra, onde a garotada acostumou-se a comparar sons fortes ao barulho de caças MIG, em que sal grosso, dada a escassez, é produto valioso e pode não haver pão na padaria de manhã. É tempo de racionamentos, falta d’água e energia, um dia a dia constituído em muito pelo que não há. Um cotidiano que faz um menino pensar que “Até parece mal uma pessoa falar assim, mas afinal ter uma Avó com risco de perder um dedo do pé faz aparecerem comidas em Luanda que uma pessoa tinha saudades de encontrar e até às vezes sonhava com ela”. E tudo por causa de jogos políticos frutos de guerras frias e civis que se misturavam e se confundiam.

Só que as brutalidades e incoerências da vida – como acontece em outras obras de Ondjaki – não grita, não recebe acusações, não é lamentada. Vai aparecendo quase sem importância, mas o leitor, se estiver atento, soma uma informação ali, outra aqui e, em alguns momentos, não tem como o sorriso provocado pelo menino 3,14 (o Pinduca, apelidado de Pi e, por consequência, 3,14), não dá espaço pro espanto ou pra reflexão sobre crescer nessas condições. Sobre ser criança nesse cenário. Ser criança nesse cenário.

Sabe que acabo pensando em mais uma função pra voz e o olhar infantil nesse cenário e até em outros? Esse recurso que, é óbvio, Ondjaki não inventou – mas soube usar muito bem – pode permitir um prefácio ao prefacio do Alejo Carpentier. Digamos assim, se a realidade da América Latina narrada pelo autor cubano, ou a realidade da Angola do escritor africano já são, por si só, material e personagens pra narrativas maravilhosas, pense no que acontece quando se escolhe como narrador, em vez de uma terceira pessoa neutra, ou uma primeira pessoa adulta, uma criança que está descobrindo o mundo. Um olhar e um pensamento que, se já tivesse ferramentas pra isso, diriam que não é a PraiaDoBispo ou o Haiti, mas o mundo todo, o dia a dia, a realidade por si só émaravilhosa. Poderia se argumentar com Alejo Carpentier que o olhar infantil, mesmo sobre o mais corriqueiro engarrafamento, também é uma crônica da realidade maravilhosa, mesmo que, pra outros, essa realidade não conte tantas maravilhas.

Quero dizer assim: parece que essa soma de um cenário fantástico com um narrador bastante específico, com olhar maravilhado, cria um efeito de duplicar, dobrar o potencial de maravilhoso do que é narrado. Aliás, em um eventual prefácio (ou quem sabe um posfácio) ao prefácio de Alejo Carpentier, dava pra dizer assim: Tá certo, narrar objetivamente a América Latina (ou África – e por que não Ásia?) é sim uma crônica dessas realidades maravilhosas. Mas e fazer isso com o narrador infantil do Ondjaki (ou, quem sabe, com os velhinhos já mais pra lá da senilidade do que pra cá da realidade, do A varanda de Frangipani, do Mia Couto)? Opa, aí vamos além da crônica, esse termo tão aproximado do jornalismo. Avançamos pra dentro da literatura. Como já falei, pode acontecer um dobramento, uma duplicação do maravilhoso e do fantástico do texto, porque essa equação cenário vezes narrador acrescenta invenção e também dúvida sobre o que é dito. Matemático demais?

É mais ou menos assim: história fantástica com um narrador neutro, eu diria: puxa, que louco isso. Com a escolha de narradores maravilhados, ou, por que não, criativos, eu digo: cacetada, que história louca essa, sei que acontecem coisas assim em Angola, mas, peraí, é uma criança contado isso, será que é bem assim? Será que foi tudo isso? Até fazemos um pacto com a realidade narrada, como se espera do simpático leitor, mas aí nos damos conta de que isso não é suficiente, porque passamos a desconfiar de quem conta essa história. É de fato um real maravilhoso. Duplo, com gelo.

Falando em duplo-com-gelo, Ondjaki já fez uso dessa fórmula pelo menos uma outra vez. Em Quantas madrugadas tem a noite (resenha do livro aqui), não é uma criança que narra outras histórias fantásticas passadas em Luanda. Dessa vez é um sujeito sentado na mesa do bar com o leitor, pedindo, a cada parágrafo contado, que o interlocutor pague mais algumas cervejas pra que as histórias continuem saindo da sua garganta. Aí, em vez do olhar descobridor e maravilhado da infância, temos uma memória suspeita e parcial que se abre com as tampas das garrafas de cerveja, trazendo pro papel histórias incríveis que poderiam ter sido.

E, no final, literatura também não é um pouco isso? O que poderia ter sido? O que foi, o acontecido de fato é notícia; o que não foi, o que surgiu da cabeça e da observação do mundo, de fendas plantadas na realidade, mas mesmo assim dá essa sensação porrada de que poderia ter sido, é assunto da literatura, acho eu.

Talvez o Ondjaki, entre outras tantas coisas, ouvindo “a criança que narra algumas das minhas estórias” e “contou-me esse desejo explosivo”, como ele diz na carta à escritora Ana Paula Tavares ao final do AvoDeazanove e o segredo do soviético, talvez o Ondjaki tenha escutado as histórias e os conselhos do seu narrador mirim pra nos trazer mais do que um belo recado sobre a universalidade de ser criança. Sobre a beleza de um olhar desprovido dos preconceitos, pronto pra descobrir segredos de soviéticos, cubanos e angolanos. Mistérios de avós, pássaros, explosões. Da vida e da imaginação.

Ondajki produz essa peça de reflexão e discussão entre limites e não limites da literatura e do fantástico. Se Borges uma vez disse alguma coisa como “Creio que não deveríamos falar de literatura fantástica. E uma das razões é que não sabemos a que gênero corresponde o universo: se ao gênero fantástico ou ao gênero real”, o que Ondjaki pode estar nos dizendo é que não devemos falar de um real maravilhoso. Porque tudo o que é real pode vir a ser maravilhoso. Depende da história, do narrador, do autor. Ou de uma criança olhando isso pra gente.

**********

Buenas, é isso. Se chegou até aqui, não deixa de ir lá no Suplemento. Vale a pena. Até.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Por Causa das Loiras de Bigodes

Ó pá, Suposto.
Passo aqui pra te convidar pra conhecer um outro espaço onde vou escrever por uns tempos. É o Loiras de Bigodes. Diário, comentários, sobre as cervejas que vou descobrindo e bebendo aqui por Lisboa e arredores. Claro, tudo na minha opinião, sem conhecimento técnico e sem frescura que é como eu trato cerveja e acho que já deixei claro aqui. Passa lá e não fica com ciúmes das Loiras de Bigodes não. Continuo aqui também.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Por Causa do Deputado Confucinho



Como diria um amigo meu paulista, então, Suposto. Hoje, não vim escrever. Vamos de vídeo. Eis o clipe oficial do Hino Nacional proposto pelo Deputado Confúcio do Couto Meneghetti e Magalhães, no conto Sou brasileiro/Com orgulho/Dá-lhe, dá-lhe, do meu livro Azar do personagem. É só clicar e assistir.

domingo, 13 de novembro de 2011

Por Causa da Múmia

Falando antiguidades, como diriam os Titãs, não sei o que fazer, não sei o que pensar. Tava lendo um jornal português, quando descobri uma matéria aterradora que mexeu com minhas certezas e incertezas.

Diz assim a abertura do texto:

Um cancro na próstata com extensões ósseas e uma lesão com origem numa distensão foram encontrados nas múmias estudadas em Lisboa

Se alguém ficou em dúvida por causa da palavra cancro, esclareço toda a informação: minhas senhoras, meus senhores, suposto leitor, descobriram que uma múmia (na verdade um múmio) de 2.300 anos faleceu devido a um CÂNCER NA PRÓSTATA. Ainda tem a tal distensão que, óbvio, fez eu me perguntar se já havia sedentarismo na época, mas o mais acachapante foi o cancro, o câncer, bem ali, na próstata do Seu Múmio. Isso nos fazer pensar e querer concluir irresponsavelmente algumas coisas, não?

1 – Liberou geral o consumo de transgênicos? Diga lá, Suposto, já havia no antigo Egito, no supermercado, produtos transgênicos, refris e otras cosas más? Pergunto assim, porque fico pensando se naquela época em que tudo era orgânico, porque ainda não tinha a Bayer, o agrotóxico, os transgênicos, já tinha gente com câncer, será que liberou geral o tomate lipoaspirado e com bronzeamento artificial?

2 – Falando-se em modernidades, e o celular, que um amigo meu diz que não é bom carregar no bolso, muito perto ali das partes do sujeito, porque as radiações podem deixar a gente estéril e até com o famigerado câncer na próstata. Há 2.300 anos, quando o Seu Múmio perdia a hora num boteco a beira do Nilo com o Tutankamon e o Ramsés, por acaso, tocava na pochete dele o celular, com a Dona Múmia perguntando afinal de contas, que horas ele ia voltar pra pirâmide, que ela já estava indo pro sarcófago? Como diria um outro amigo meu, fica a pergunta.

3 – Ou, as pessoas que não gostam de falar sobre o nome das doenças, porque chama e dá azar, podem agora começar a cochichar sobre um tio, um vizinho: ele tá com a doença mais antiga do mundo, coitado. Ou melhor, o Mal da Múmia.

4 – Mas, sobretudo, pergunto-me sobre a relevância desse estudo que não deve ter sido barato (custou pelo menos uma observação da intimidade do Seu Múmio, o que é sempre caro pro observado). Mas sobre o estudo em si: essa descoberta serve de alerta? Visitemos, nós, homens, o proctologista antes de completar 2.300 anos, antes que seja tarde demais? Ou serve pra o movimento de defesa dos homens (existe isso?) embasar cientificamente os seus protestos contra a comunidade médica, alegando que é inadmissível o câncer de próstata estar há mais de 2 milênios entre nós e, nesses 23 séculos, a medicina não conseguiu ainda avançar do sarcástico exame do dedo pra detectar o tal cancro? Há anos e anos e anos (o trocadilho fica por conta do Suposto Leitor), mas há tantos anos, vocês, doutores, poderiam nos livrar do risco de, aos 40 anos, num rompante largar família, certezas e coleção de Playboys porque nos apaixonamos por um médico de dedos firmes e suaves. Poderão reclamar assim os eventuais defensores do masculinismo?

Não sei, não sei o que pensar. É um assunto delicado este. Quando se ultrapassa os 30 anos e começa a contagem regressiva pra primeira consulta com o proctologista – e o laser, o exame de ressonância quântica merecedores do Nobel de medicina e da paz de espíritos parecem cada vez mais distantes – esse tipo de notícia mete o dedo numa ferida ancestral (e bota ancestral nisso) do macho contemporâneo.

Mas se servir pra te animar um pouco, Suposto Leitor, acabo de reler a matéria e acho que temos boas notícias (tanto pro Seu Múmio, quanto pra nós): ninguém violou a castidade do Seu Múmio pra fazer essa inquietante descoberta científica. De acordo com o texto Após estes exames de tomografia, feitos sem se abrirem os sarcófagos e que permitiram reconstituir, a três dimensões, todo o corpo mumificado, foi diagnosticado a uma das múmias, com cerca de 2300 anos, um cancro na próstata. Viu só? Não precisou abrir nada, nem o sarcófago do cara. Não sei os outros, mas exigirei que meu proctologista tenha diploma do Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa pra me examinar.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Por Causa da Sequela

“Frescura diária”. Eu leio isso todo dia aqui em Lisboa quando vou no super comprar uma carne, um frango, um vegetal não congelado. Tá escrito nas embalagens: frescura diária. No começo, eu até pensava qualé, tá me tirando? Depois veio uma breve aceitação reflexiosa: será uma coisa Pepeu Gomes, ser um homem feminino não fere o meu lado masculino, todo mundo tem que ter sua dose diária de frescura, homens também choram? Não, não é isso, e agora vou me acostumando com o pessoal do super me dizer que eu tenho uma frescura diária – ainda penso que eles podia dizer “alimentos frescos todos os dias” – mas vá lá, ser cosmopolita no tal mundo sem fronteiras é um pouco isso, aceitar as culturas, , ô, Suposto?

E tem que aceitar mesmo, porque no sábado, apesar da minha frescura diária, tive que dar o braço a torcer ao português² (, o português-português, duas vezes português). É que eu saí do cinema no sábado à noite questionando a minha arrogância, a minha autosuficiência, o escambau. Quem sou eu pra questionar como se fala a língua de Camões, justo na terra do Camões? Os sujeitos já falavam português muito antes do primeiro “terra a vista, o pá!” se avizinhar do Brasil brasileiro. Vamos combinar, Reginaldo, eles têm alguma experiência em escolher a palavra certa, a expressão correta pras coisas.

O Suposto deve estar se perguntando que filme que eu vi pra sair pensando essas coisas.

Não foi o filme não, Suposto Leitor. Foram umas curiosidades e pequenas informações cinematográficas que passam antes dos trailers, foi nesse momento que a ficha caiu. Tava eu olhando a tela e de repente leio a notícia de que a Universal Pictures pretende filmar de uma vez só as duas próximas sequelas de Velocidade Máxima e... Filmar o quê? Filmar as sequelas do Velocidade Máxima.

Tchê, não é continuação.

Nem sequencia (liguei pro Google pra confirmar se era sequela mesmo e não sequência)

E é sequela mesmo. Brilhantes minutos de sabedoria – e de ignorância minha que não conhecia os outros sentidos de sequela.

Mas já parou pra pensar? Então para: as continuações, esse pedaços, na maioria das vezes, defeituosos, essas pernas mancas, essas pelancas dos filmes originais, são muito mais sequelas do que sequencias. Sequência é um, dois, três, quatro, uma soma, a continuação natural das coisas. Ou seja, depois do supreendente De volta pro futuro, do grande Rock, de qualquer filme, se viesse uma sequência, como nós do senso comum entendemos a palavra, o que deveria vir é um acréscimo ao filme original, a continuação do êxtase, do maravilhamento. Mas a gente sabe que quase nunca é assim. Acréscimo na parte II, III, IV, em geral, só de dólares nos bolsos dos produtores, atores, diretores. E de paciência no nosso saco depois de mais uma vez termos pensamos “ah, vai que dessa vez a continuação é melhor”.

Pois então que palavra perfeita essa sequela portuguesa. Seria a maior descoberta de Portugal desde o Brasil? Não sei, mas ela diz tudo. Diz sim. Vai lá no Houaiss e confere. O Sexta-feira 13 XXIV, enquanto sequela, permanece sendo mais um filme que segue ao original. Mas, mais do que isso, sendo sequela em vez de sequencia, já é um aviso, um adesivo na carteira de cigarro, pro espectador: rapaz, esta é a sequela do Indiana Jones. Quer ir, vai, mas é a sequela. Sequelas incomodam, às vezes irritam, coçam, às vezes exigem remédios que dão sono.

Sequela. Grandissíssima palavra.

Penso inclusive em iniciar uma campanha: já que andaram fazendo o tal acordo ortográfico, então façamos algo positivo nessa história: adotemos, no Brasil, o uso da sequela.

SEQUELA JÁ!