sábado, 18 de dezembro de 2010

Por Causa Dessa Pressa Toda


Num mesmo final de semana, há quinze dias, rolaram duas estreias nos cinemas, aqui em Porto Alegre: O garoto de Liverpool e A rede social. Eu e a Jajá acabamos indo assistir aos dois, um no sábado, outro no domingo.
O que foi bom.
Não só pelos filmes.
Mas também pela comparação que as 24 horas entre um filme e outro permitiram fazer. Não, Suposto, não vou comparar roteiros, atuações, direções. Tô falando é do simbolismo de esses dois filmes estrearem no mesmo momento.
Olha só:
Tem uma semelhança muito clara entre O garoto de Liverpool e A rede social, que é o fato de serem baseados na história dos primeiros passos, dos momentos pré-fama, de dois nomes ilustres, certo? De um lado, John Lennon, do outro, o Mark Zuckerberg.
E essa semelhança é que faz saltar aos olhos um troço bem típico dos nossos tempos. Quer saber? Tá com pressa? Calma, é bem disso que eu tô falando. Dessa nossa pressa.
Segura a ansiedade e acompanha: sábado, quando assisti a juventude do Lennon, estava sentado diante de uma história que levou uns cinqüenta anos pra chegar ao cinema. E, vem cá, a história da juventude do John Lennon, a formação de um dos maiores nomes da música de todos os tempos, não é pouca coisa. E ainda se trata de um enredo conflituoso, cheio de traumas, lances fantásticos, conflitos fortes. E isso, minha gente, levou décadas pra virar filme.
Aí, no domingo, quando estou saindo da sala onde vi A rede social, parei pra pensar, Peraí, mas esse sujeito é HOJE – e não quando a história se passou – mais novo que eu. E, não, não, Suposto, não é crise dos 30, nem inveja de quem faz um bilhão de dólares aos 25 anos. É o seguinte: quem é Mark Zuckerberg? Sim, o criador do Facebook, eu sei. Mas será que é isso que ele vai ser daqui 50 anos, ou ele pode ser mais? Ou ser esquecido? Está pronta a história do cara, já acabou, já vamos biografá-lo?
É disso que tô falando, isso que ver os dois filmes no mesmo final de semana me botou a pensar. Na ansiedade geral dos nossos tempos, na instantaneidade de tudo, e na tal da efemeridade de qualquer coisa hoje em dia. O Zuckerberg passou a ser um cara da história ontem (se pensarmos em termos de História, talvez ontem seja muito tempo até), há coisa de cinco anos ou menos, com a explosão do Facebook. E assim como ele, cada vez mais, se vê biografias das celebridades do momento. E não estou dizendo que a história do cara não seja interessante, que não deva ser feita. Só estou pensando no significado de fazer ela agora. Demonstra nossa incapacidade geral de fazer as coisas durarem nos tempos de hoje. Tudo é moda, tudo é onda, tudo é trend, tudo é passageiro. Deixar de fazer o filme do Facebook agora, talvez significasse deixar de fazer esse filme para sempre. Porque daqui a seis meses um outro jovem pode estar fazendo o novo bilhão da internet, com uma ideia que a gente não imagina o que seja, e tirando o Zuckerberg dos holofotes e capas da Time. Porque o Zuckerberg de hoje é o criador do Orkut de um tempo atrás, do Napster, de um pouco antes, é o Bill Gates, o Steave Jobs. Eles parecem vir ao mundo na mesma velocidade dos chineses. E podem deixar de ser os caras com a mesma rapidez.
E isso acontece em tudo. É a nova banda do momento. O novo filme do momento. O novo aplicativo do momento. O novo do momento. E a gente corre pra ter, pra baixar, pra fazer o filme e a biografia logo, porque vivemos em um planeta que virou uma imensa Casas Bahia: só hoje. Amanhã já era.
Muita coisa surge. Nenhuma fica.
O Facebook passa.
O Zucekrberg, idem.
O Google, vai saber.
As modas, todas.
Graças a deus, John Lennon é de outro tempo.
Levou 50 anos pra mostrar a juventude no cinema.
Mas ficou na história.
Está nela.
E não vai sair.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Por Causa do Livro Novo

Alô, Suposto Leitor. Voltei.
Pra convidar pro lançamento do meu livro novo, o Quero ser Reginaldo Pujol Filho. São 10 contos, cada um uma homanegam, uma brincadeira, uma livre-inspiração com um escritor referencial pra mim.

Pois bem, o lançamento será na quarta, 15/12, às 19h30 no Café Cinema do Instituto NT de Cinema (Marquês do Pombal, 1111 - Porto Alegre /RS), como não deixa mentir o convite aqui embaixo:

Bueno, e pra entender um pouquito mais como se dá esse livro novo, vai aqui uma pequena amostra. Um trechitio do conto Quero ser Miguel de Cervantes, que abre o livro. Lá vai:


QUERO SER MIGUEL DE CERVANTES (TRECHO)

E diz que existe aquela história do homem que queria ser Miguel de Cervantes. Vivia em algum canto deste Brasil que não posso precisar, não é sabido exatamente quando nasceu, mas contam
que se chamava Maiquel, Mayque, Maicon ou algo parecido e, portanto, não Miguel de Cervantes.

Sabe-se lá o que leva um homem do nosso tempo a querer ser um alguém, mesmo que um grande alguém, do chamado outrora. E, repare, não estamos falando de uma pessoa que se dizia Cervantes como tantos já se disseram Napoleões, Carlotas Joaquinas e outras personalidades de tempos passados. O homem que queria ser Miguel de Cervantes, se a frase não foi clara o suficiente, não se dizia, desejava ser Miguel de Cervantes.

Pois contam que, na falta de uma certidão de nascimento ou de uma carteira de identidade que lhe permitisse realizar esse desejo, certa vez, o sujeito, cabeça raspada imitando uma calva, bigodaços desenhados com régua e estilete, barba pontiaguda ampliando e triangulando o fim do rosto e vestindo bailarinas calças e uma bufante camisa, teria adentrado um cartório de Porto Alegre ouum juizado de Novo Hamburgo e, mal os presentes estranharam aquela figura, tiveram que dobrar seus espantos, pois que a figura bandeirava folhas ao ar e dizia Con quien hablo para cambiar mi nombre? Os dobrados espantos ainda se multiplicariam mais para escrivões, atendentes, funcionários que viram o protocolo de seus olhares ser quebrado pela turma que chegava em companhia do homem que queria ser Miguel de Cervantes: parece que era um mendigo, uma mulher da vida, o guardador de carros da frente do estabelecimento e um homem-estátua que se exibia em uma esquina próxima dali. (Continua)

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Então é isso. Está o senhor Suposto Leitor e todo mundo muito convidado para aparecer no lançamento. E também para conferir novidades e trechos do livro no @Quero_Ser.

Té mais.



quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Por Causa de Novidades

Hola, Suposto, que tal?
É por causa de novidades que tenho pouco ou nada aparecido por aqui.
Novidades quais?
Vamos lá.
Tá saindo - ou saiu já - nessa semana uma resenha que fiz para o livro Quantas madrugadas tem a noite, do Ondjaki, na Revista Aplauso. Pra saber exatamente o que eu penso desse lançamento da Leya, dá uma olhadinha na revista, mas fica já sabendo que é, sim, uma recomendação para suspostos leitores. Então, leia a revista e leia o livro.
Outra, é que ando às voltas com o fechamento do meu próximo livro. Andei escrevendo muito no livro e, portanto, fora daqui. Suposto, logo, logo trago mais novidades sobre o livro em si, lançamento e que tais que são coisas pra em breve.
E também, já que estamos aqui, andei sendo entrevistado pelo poeta português Luis Filipe Cristóvão para uma série de entrevistas do site PNET Literatura. Dá pra ler aqui.
Tenho escrito pouco aqui no Por Causa, mas tem um monte de coisas pra tu ler, Suposto.
Espero voltar mais vezes aqui.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 5 - FIM

Tá bem, coloquei aqui ontem o texto sobre o que fica da Flip, falando da gurizada lá de Parati.

Mas e a FLIP pra maiores, me perguntaria o Suposto Leitor?
Bom, foi isso aqui que eu disse:

Pois é, Suposto. Do que eu já via das Festa Literárias aqui em Parati, parece que essa edição pode vir a ser um ponto de reflexão, especialmente sobre programação. Lembro de sair da FLIP de 2007, com Amoz Oz, Coetzee, Nadine Gordimer, Mia Couto, falando de que tinha sido a FLIP das estrelas, ou a FLIP megaprodução. Ano passado, depois da programação com Sophie Calle e o ex-marido Grégoire Bouillier, Tezza e Bellatin e suas ficções biográficas, Catherine Millet e outros autores mais ou menos biográficos, a sensação era de que o evento tinha decidido mostrar essa discussão da fronteira entre o real e a ficção, essa linha tênue entre autor e narrador que tem marcado tantas obras contemporâneas.

E a de 2010?

Ainda não consegui ver uma cara nela. Parecia querer ser diferente, talvez ousada, chamando grandes atrações como Crumb e Lou Reed, em vez de prêmios Nobel. Homenageando Gilberto Freire, em vez João Cabral de Melo Neto. Pois é, mas acho que, se isso é ser ousada, prefiro outras ousadias que já vi em FLIPs, que são ousadas, mas são muito literárias. Ousadia de ser grande, como colocar o Paul Auster e o Chico Buarque juntos, sem ter medo de provocar o maior engarrafamento da história do mundo. Ou de trazer todas as estrelas da edição de 2007. Ou ainda ousar trazer gente realmente talentosa, mas longe, longe do estrelato literário. Digo assim: nesse ano de 2010 teve uma mesa que é tradicional, que é na quinta-feira, nos primeiros horários e reúne brasileiros contemporâneos. Teve coisa parecida em 2006, 2007 e acho que em outras edições também. Mas a diferença é que em 2010 não se arriscou trazer gente nova, nova, nova pra mesa. Ronaldo Correia de Brito ganhou o prêmio SP do ano passado, Beatriz Bracher já beliscou as principais premiações e Reinaldo Moraes foi um fenômeno literário nos anos 80. Tudo bem que talvez não sejam conhecidos do grande público ainda, mas já estão um passo adiante da turma que vi em 2006: André Laurentino lançando seu primeiro livro, Maria Valéria Rezende lançando o terceiro (ou segundo?), André Santanna lançando O paraíso é bem bacana, o próprio Reinaldo Moraes antes do Pornopopéia, assim, gente que eu não tinha ouvido, ou mal tinha ouvido falar. Autores como o Laurentino e a Maria Valéria, que descobri, corri pra comprar o livro, li e passei a dar de presente. Acho escolhas, garimpadas como essas, ou como trazer o Ondjaki quatro anos atrás, tão ou mais ousadas do que trazer Lou Reed.

Outra coisa que senti falta, foi da polifonia da Festa. Essa FLIP estava mais pra conto ou novela, com poucas vozes, do que pra um romance polifônico, digamos assim. Explico: dois idiomas foram privilegiados nesta edição: português e inglês. Houve também o espanhol de Wendy Guerra e Isabel Allende e talvez alguém possa querer forçar a barra e falar da iraniana Azar Nafisi e do israelense A.B. Yehoshua, mas eles vivem há anos nos EUA e acho que escrevem em inglês. Não teve argentinos, mexicanos, africanos - de língua portuguesa ou não -, chineses, franceses, italianos, alemães, tantas vozes por aí, acho que a Festa Literária foi menos internacional esse ano em Parati. Ou que o nosso narrador foi um tanto repetitivo.

Mas antes que achem que a cara dessa FLIP seja a minha amarrada, calma lá, moçada. É a FLIP.

E teve coisas boas, ótimas descobertas pra mim. Livros pra trazer pra casa.

William Boyd, por exemplo, o escocês que dividiu mesa com Pauline Melville, está na mala. Poderia estar trazendo o romance do qual ele leu um trecho, Tempestades comuns, ótimo trecho por sinal, uma cena angustiante a beira do Tamisa, muito bem narrada, mas o que está vindo é o volume de contos Fascinação. Porque o Boyd mostrou na mesa ser um pensador da literatura - ele é crítico e roteirista também - e lá pelas tantas lascou que tinha criado uma espécie de teoria do conto, dividindo o gênero em sete modelos (que podem se inter-relacionar). Falou brevemente sobre estes modelos, que podem ser conhecidos no site do autor, e me deixou curioso sobre como funciona na prática toda esta teoria. Ontem, na livraria da FLIP, folheei Fascinação e fui pro caixa. Parece ter coisa boa ali. Depois de ler, conto.

Houve a já citada mesa dos brasileiros. Boa discussão sobre literatura. Embora a mediadora tenha definido que ali estavam três estilos de romance, o do sertão (Ronaldo Correia de Brito), o intimista (Beatriz Bracher) e o urbano (Reinaldo Moraes), vi mais do que isso. Vi três jeitos de pensar o texto. O Ronaldo, nas suas falas, trouxe uma coisa paradoxal, uma racionalidade-apaixonada, um cara com quem dá vontade de conversar sobre o escrever, ele parece ter muito a dizer e a refletir, mais do que foi exigido dele na mesa. O Reinaldo talvez seja o extremo, embora tenha falado de forma e coisa e tal, pela leitura dele, pelo que já li dele, e pela fala dele, parece ser o típico contador de histórias. Desbocado? Universo junkie? Coloquial? Underground? Sim, tudo isso, mas daqueles que acreditam em primeiro contar e contar e contar a história pra ver onde vai dar. E a Beatriz Bracher, não sei se misturei o fato de estar lendo o segundo livro dela e observando profundas diferenças entre um livro e outro, mas talvez tenha somado isso à participação dela, e assim vejo uma investigadora, não a escritora do intimismo apontada pela mediadora, mas alguém investigando estilos, formas e histórias. Pois esses três soltos e com perguntas simples, mas sobre as suas obras, fizeram uma das mesas mais consistentes que vi, daquelas em que mais que conhecer os autores, vamos conhecendo também um pouco mais do que a gente pensa sobre a escrita e a leitura.

Também vale exaltar a mediação do João Paulo Cuenca, na mesa que reuniu Carola Saavedra e Wendy Guerra. Cuenca talvez devesse servir de exemplo pra outros mediadores da Festa. Foi na veia da obra das autoras, tinha os romances no colo, leu trechos sublinhados, fez intersecções inteligentes entre obras que aparentemente não se relacionavam e não caiu em clichês fáceis, como querer discutir a literatura feminina, só porque havia duas mulheres no palco. Ao contrário disso, propôs discussões sobre escolhas narrativas, sobre os significantes vários que encontrou em Paisagem com dromedário e Nunca fui primeira dama. Acredito que quem já tivesse lido os livros deva ter recebido boas chaves de leitura dessa discussão. Daí, não sei se é porque era domingo e já ia começar o Faustão, ou se porque o Cuenca resolveu falar de literatura e de literatura e não se permitiu discutir amenidades (nem quando a Wendy Guerra deu uma baita brecha comentando ter sido desde criança a Xuxa da TV cubana), não sei por qual motivo, muita gente saiu antes do fim da mesa. Talvez fosse dor nas costas, quatro dias sentado, vendo mesas, dói no ciático.

E, claro, houve a dupla participação do Robert Darnton, casada com o estande da Companhia Suzano de Celulose. Cometi a ingenuidade de vir assistir a essas mesas em busca de respostas, mas é óbvio que estou voltando com muito mais perguntas. Claro que dá esperança no futuro do livro de papel - sim, quero que ele continue - ver o Darnton falando da busca da coexistência do analógico e do digital. Ele comentou, inclusive, estar escrevendo um livro para se publicado nos dois modelos, com especificidades para a leitura linear (no papel) e outras para a leitura não linear (digital). Outro foco de esperança foi ter visto que o mesmo homem, o Makinson, editor da Penguin, na mesa com o Darnton falava em estar se preparando para um futuro digital, em livros com recursos de vídeo (queria falar mais sobre isso outra hora), mas esse mesmo sujeito e sua empresa estavam, com grande estardalhaço, lançando a parceria com a Cia das Letras para vender o quê? O quê? Livros, sim, senhor. E a Penguin não só está lançando operações no Brasil, como na China, na Coreia, na India e em outros mercados onde a alfabetização e o desenvolvimento ainda podem criar muitos leitores. É claro que se pode pensar que essa expansão tem o objetivo de compensar uma possível perda de mercado nos EUA pra plataformas digitais (embora tenha se falado em crescimento da venda de livros neste ano). Mas eu também tendo a pensar no seguinte: se o futuro é tão inevitável e iminentemente digital, estaria a Penguin fazendo toda essa expansão com livros de papel para lucrar com os últimos anos de um mercado agonizante? Resolveram gastar dinheiro? Ou ainda enxergam boas perspectivas para as vendas de livros? Tô falando: voltei com bem mais perguntas.

Ainda sobre a questão dos livros, acho que a organização das mesas refletiu um pouco do mercado editorial: esqueceram do autor. Nessas discussõe sobre direitos autorais, mercados, futuros e incertezas, além de editores, pensadores, diretores de biblioteca, não seria uma boa ter colocado um escritor de literatura? Pra gente voltar com ainda mais perguntas, questionando também o que esse movimento todo vai fazer com a linguagem? Com o modo como se conta histórias? E se lê? Perguntas, perguntas, perguntas, FLIP, Festa Literária Internacional das Perguntas também.

Quero só ainda comentar que aqui no ônibus, deixando Parati, vejo muitas pessoas lendo livros de autores que estavam no evento, livros de papel, provavelmente comprados durante a festa. A julgar por isso, a FLIP colocou mais uns cinco dias de vida nos cálculos de quem vive profetizando o fim dos livros.

Prós e contras pesados, acho que é isso que chamam de fazer um balanço do evento, não?

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Ah, sim, só mais uma coisinha: profissionais da tradução simultânea: mandem seus currículos para a organização da FLIP. Seria uma excelente surpresa, numa próxima edição, descobrir que essa área foi qualificada. Desde 2006, é a mesma turma, fazendo, às vezes, em vez de tradução, confusão simultânea das mesas.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 4

Pues, coisa louca, Suposto: a FLIP continua aqui. Tem mais dois textos que fiz pro site da revista Aplauso e que quero dividir contigo. São dois balanços do todo da festa e não vou ficar falando mais, porque os textos já dizem o que querem dizer. Aqui vai um e amanhã ponho o outro. E aí a Festa acaba aqui.
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O QUE FICA QUANDO A FLIP SE VAI?
Cabou-se a FLIP.

E acho que um dos papéis mais interessantes dela - e talvez menos falados - continua firme. Falo de uma imagem que vi, lá na quinta-feira, e que se repete ao longo do evento: uma molecada de Parati, pé no chão, bermuda suja da pelada no campinho, pendurada nos alambrados que dão acesso à Tenda dos Autores vendo aquele monte de gente entrar naquele circo que se monta há oito anos na cidade.

Dessa vez, olhei bem pra cara dessa gurizada, pros olhos arregalados, e pensei que essa turma talvez cresça com uma visão diferente da usual sobre o que é ser escritor. Em vez de pensar numa coisa solitária, em vez de ouvir que no Brasil escritor morre de fome, os paratianinhos talvez achem que escritor é superstar, é badalado, é coisa legal. Vem cá, ano a ano eles veem a cidade dobrar de populção, os pais ganharem uma grana a mais por causa dos escritores. Assim como eu, eles observam a geração espontânea de filas pra pegar autógrafos.

Sei que existe uma turma que critica as FLIPs, FLOPs, FLUPs pela espetacularização da literatura e do autor.

Mas vendo os guris de Parati tão curiosos por essa gente dos livros, começo a pensar que isso tem seu lado bom. Durante 5 dias, pra essa galerinha, escritores são tão famosos quanto o Kaká, quanto o último Big Brother, quanto a Ivete Sangalo, quanto o protagonista da novela das oito. Ei, as crianças de Parati talvez queiram agora ser jogador de futebol, modelo, astronauta, ator e, quem sabe, dois ou três, escritores. Por que não? Lembro que ano passado fui dar uma palestra pra uma turminha de um colégio público de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, e que a professora que me recebeu me falou que eu não tinha ideia da magia e da importância que tinha pra piazada eventos como aqueles, que isso sempre colocava um pouco mais o livro e o escritor na cabeça deles. Era uma feira do livro pequena, de bairro, agora imagina um troço como o que rola em Parati.

Isso somado com uma das partes mais bonitas da FLIP, que é a Flipinha, cara, é muito positivo. A Flipinha, pra quem não sabe, é uma baita programação infantil que rola no período da festa. Segundo me disseram, mais de 90% das escolas públicas de Parati participam das atividades. E ainda tem a decoração da Praça da Matriz, que além de reproduzir personagens literários em papel machê pra divertir a molecada, tem uma das minhas coisas preferidas na cidade: as árvores de livros. Muitas árvores com livros pendendo dos galhos. E a criançada vai lá, senta e lê mesmo. E, se não sabe ler, tem uma turma de instrutores que vem dar uma forcinha. Ah, e nesse ano ainda botaram uma bibliotequinha no meio da praça, aumentando a oferta de títulos pros pequenos. Torço pra que, nos doze meses que separam uma edição da FLIP da outra, esse trabalho de aproximação da criançada com livros tenha algum tipo de continuidade. Porque volto com uma impressão reafirmada: de que a cada edição podemos ter mais moleques sonhando ser Ronaldo. Mas Correia de Brito.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 3

Vamos lá, antes que esses textos não te interessem mais, Suposto Leitor.
Aqui vai a 3ª coluna que publiquei sobre a FLIP 2010 no site da revista Aplauso.

NEM FESTA, NEM LITERÁRIA

É recorrente a FLIP organizar mesas com gente oriunda de lugares conflituosos ou envolto em polêmicas (Amoz Oz, de Israel junto com Nadine Gordimer, da África do Sul; o palestino Mourid Barghout; a mesa com autores chineses no ano passado).

Nesse ano, os nomes da vez eram o israelense, A.B. Yehoshua, escritor radicado há tempos nos Estados Unidos e a escritora iraniana, também professora, também radicada nos Estados Unidos, Azar Nafisi.

Muito pode-se falar dessa mesa em si e dessa mesa como conceito. Como conceito, o que acontece é que, apesar dessa bonita democracia, judeus e muçulmanos reunidos pelo poder da literatura na mágica Parati, a gente pode pensar que a coisa não é tão democrática assim não. Como diria o professor, Senão vejamos: o autor israelense, apesar de judeu e israelense, não vem defender a expulsão dos palestinos de Jerusalém, pode até ter combatido em Golan, pode até defender que os judeus devam morar em Jerusálem - como faz Yehoshua -, mas no final das contas acredita na negociação, prega a paz, etecétera, etecétera e etecétara. Da mesma forma, o lado árabe da coisa, não vem dizer Nós chegamos antes de vocês, não vem defender a Al Qeada, não vem defender belicosamente a questão palestina ou afegã.

O que quero dizer é que simbolicamente a coisa pode até funcionar. Mas como debate, como provocação intelectual, como revisão de argumentos e conceitos, como choque de verdades pré-prontas, não vejo grandes méritos. Nem sei se é o papel da FLIP fazer isso, gerar tensão e polêmica. Mas que não gera, não gera. Porque apesar das certidões de nascimento, o que temos, via de regra, são duas pessoas muito talentosas, muito inteligentes, muito perspicazes, defendo o que todo mundo, aqui em Parati, quer que se defenda: a Paz, o fim dos regimes totalitários e teocráticos, coisa&tal.

Como espetáculo, bárbaro. As tiazinhas cariocas, os estudandes "meio-intelectuais, meio de esquerda"*, os desavisados, aplaudem, assobiam, dão risadas das boas frases, dos olhares profundos, das grandes tiradas sobre a questão judaico-palestina e seus assuntos periféricos. Mas no frigir dos ovos (nunca entendi essa expressão), mas no frigir dos ovos tá todo mundo batendo em bêbado. Ou em nada. Dificilmente surge ou surgirá o contra-ponto, a resposta que ninguém quer ouvir. Talvez a única excessão nesse ano tenha sido quando Azar Nafisi fazia mais alguma afirmação contra Mahmoud Ahmadinejad e, lá pelas tantas, Yehoshua, contestou a iraninana lembrando ela de que também não podemos ficar só apedrejando o governo e absolvendo a população como se fossem todos manipulados. Lembrou, o israelense, que há muitas pessoas inteligentes, articuladas, que compram os regimes totalitários, as soluções bélicas, as ortodoxias. Há gente com um bom aparato intelectual defendendo as ideias que nós não defendemos foi o que me pareceu que ele quis dizer. Interessante, um momento de reflexão e não de puro aplauso histérico e concordativo.

Mas, pois bem, dito tudo isso, ainda fica uma questãozinha sobre essa mesa do Oriente Médio, tanto no seu nível conceitual, quanto no nível específico: e a literatura?

Não estamos na Festa LITERÁRIA Internacional de Parati?

Pues, pra mim, que venho ver debates literários, discussões sobre forma, estilo, técnicas, conjunto da obra, me parece que a literatura fica na periferia nessa hora. Todo mundo entra contaminado pelo acordo de paz, pela burka, pelos conflitos, pela solução negociada. Do mediador aos convidados, passando pelo público e por suas perguntas, o foco da mesa vai longe, longe, da obra dos autores, por exemplo. Como diria o profeta, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que se fazer uma pergunta sobre um trecho dos autores nessa mesa.

Que eu tenha registrado, houve uma fala do Yehoshua em que ele refletiu sobre literatura no geral, sua importância pedagógica, de fazer refletir, gerar pensamento. Crê ele que isso não acontece mais hoje, que o pós-modernismo não nos faz tocar os grandes valores da humanidade, tampouco os grandes dramas. Segundo ele, os grandes escritores do século 20, estão cronologicamente localizados na primeira metade do período. Depois disso, "psicologia" e "relativização" tomaram conta das páginas e foi pro saco a especulação do humano, o assombro, o espanto e a descoberta de nós mesmos e do outro através dos livros que lemos. Será?

Não sei.

Porque isso ficou perdido entre uma pergunta sobre o apedrejamento da Sakineh Mohammadi no Irã e outra sobre a proibição do uso da burka na França. Sim, aconteceu ainda algum momentito em que Nafisi exaltou o poder da literatura, falando relativamente ao seu livro Lendo Lolita em Teerã, obra que revive os grupos de leitura de meninas iranianas que secretamente descobriam obras como a de Nabokv em Teerã nos anos 80.

Mas, no todo, assim como nas outras mesas com escritores-de-países-em-pauta que já assisti, a literatura cede espaço para o tema polêmico do momento que envolva as origens dos escritores convidados. Então, o mais que tivemos foram defesas da democracia, frases fortes contra Ahmadinejad, ironia e argumentos muitos contra o apedrejamento de mulheres no Irã, acabou sobrando muito pro Lula, seu companheirismo e em-cima-do-murismo em relação ao Irã, e aplausos, aprovações e muito entusiasmo de todos na platéia. E ficamos por aí.

Tá, não se falou quase de literatura. Mas acho que também vale pensar no seguinte: há uma questão literária (ou periférico-literária) aí envolvida que não tinha me ocorrido ainda: a posição do escritor como intelectual a ser ouvido, como pensador do mundo e dos nossos tempos, como voz relevante. Talvez esse lado da atividade literária saia fortalecido de uma hora e meia como essa. Diz-se muito que os escritores perdem cada vez mais essa relevância pra sociedade, esse papel de fonte de consulta sobre as verdades e polêmicas. Bem, numa mesa como essa, o que importa, mais do que o livros, são as posições e as ideias dos autores.

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Não dá pra deixar de falar da nova tradição da FLIP: a mesa dos quadrinhos. Depois do Neil Gaiman, do Grampá + Rafael Coutinho + Fabio Moon&Gabriel Bá, ontem foi a vez do Robert Crumb e do Gilbert Shelton.

Mais uma mesa não literária.
E antes que me ataquem, calma: não estou tentando negar o caráter literário que vem se atribuindo aos quadrinhos nos últimos tempos. Calma, sequer tenho condições de fazer isso, não sou conhecedor do asunto, não posso me meter a falar disso.

É que a mesa não foi lietrária, não foi sobre quadrinhos, não foi é nada. Pelo menos pra mim que não estava lá tietando o Crumb e o Shelton. E, em minha defesa, digo: ano passado uma das minhas mesas preferidas foi a dos quadrinhos. Os caras leram trechos, mostraram no telão, discutiram suas obras e a dos outros, se divertiram.

Nesse ano, rapaz, nada.

Acho que muito por conta da escolha equivocada do mediador: Sérgio Dávila. Credenciais do homem para estar lá: editor da Folha, correspondente internacional, único brasileiro a cobrir a guerra do Iraque de Bagdá, prêmio Esso... tá, e uma carteirinha do fã-clube do Crumb? Editou um fanzine na adolecência? Hein?

Sem-gracisse total: deixou o Crumb fazer o que ele queria - não fazer nada -, fez perguntas de release (gosta da mulheres brasileiras? Verdade que você veio porque sua mulher obrigou?), deixou a esposa do Crumb - quando ela foi convidada a subir ao palco - tomar conta da mesa e quase ignorou o Gilbert Shelton que parecia disposto a falar, contar histórias.

Era uma mesa que envolvia muitas expectativas. Poderia ser polêmica, esquisita, divertida e não foi sequer o básico: informativa. Ano passado, saí da mesa do Grampá e do Coutinho com a minha ignorância sobre quadrinhos um pouco diminuída. Neste ano, nem perto disso.

As palmas dessa mesa ficam pro depois dela: voltando da janta, com a minha namorada, passamos pela tenda de autógrafos. Quase meia-noite. O Gilbert Shelton, velhinho de barba e cabelo branco, dublê de Papai Noel, ainda estava lá três horas depois, com a esposa e agente literária de um lado, copo de cerveja do outro, autografando livros pra quem quisesse, com direito a um desenho feito na hora. Gente boa.

*quem inventou essa expressão foi o Antonio Prata.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 2

Me atrapalhei um pouco lá por Parati, depois as férias seguiram e, pois é, e todos aqueles textos que eu prometi colocar aqui, onde foram parar? Calma, já estão devidamente publicados lá no site da revista Aplauso e agora, aos poucos vou trazendo praqui. Resquícios da FLIP. Bueno, já demorei demais, então chega de conversa e vamos a minha segunda coluna sobre a Festa Literária Internacional de Parati.

A QUESTÃO DO PAPEL DOS LIVROS

Uma das coisas que eu estava mais curioso pra ver aqui em Parati era a tal discussão sobre o futuro do livro, esse lugar comum que tem perseguido a literatura nos últimos tempos mais do que o bucólico cheiro de terra molhada. Estava curioso pelo tema em si, mas também por essa situação que lembra um pouco a lógica da vacina: injetar o veneno, o vírus, no organismo pra criar anticorpos e defesas contra a doença. Digo assim: trouxeram pra uma festa literária, de celebração dos livros, de filas de autógrafos, duas mesas pra discutir se um dos motores dessa coisa toda não tá pifando. Sim, falo das duas mesas que envolveram o historiador e diretor da biblioteca de Harvard, Robert Darnton - uma com o diretor da Penguin, John Makinson e a outra com o historiador da cultura, Peter Burke.

Mas aí, rapaz, chego em Parati e, caminhando com minha namorada pelas ruazitas do centro histórico, descubro algo tão significante pra esse assunto das duas mesas. Algo tão eloqüente quanto as declarações do Darnton sobre os riscos de se entregar ao Google e a empresas privadas o monópolio da informação e do conhecimento; tão assustador quanto o John Makinson falando da Amazon apagar livros do Kindle alheio; ou o Peter Burk questionando sobre a perda da capacidade de ler devagar.

O que é que pode ser tão simbólico?
Uma fogueira de livros?
Uma distribuição de e-readers?
Dezessete andróides do Paulo Coelho, reproduzindo e-books do mago 24 horas por dia?

Não.

Um estande da companhia Suzano de Celulose.

Presta atenção: junto da livraria da FLIP, perto de onde os autores autografam, tem uns espaços alugados por empresas pra se divulgar. E um deles foi alugado justamente pela Suzano. Todo, todo decorado com os motivos do "papel polen bold" (aquele amarelinho dos livros), exaltando suas qualidades pra leitura, cansa menos os olhos, permite ler mais livros e assim obter mais conhecimento e, logo, fazer um mundo melhor. Sim, esse discurso está no folder que se encontra no espaço. Estão fazendo um belo investimento pra me convencer de que é bom ler no papel. É mais ou menos como fazer uma campanha pra dizer que água é bom pra tomar banho.

Cara, a turma do papel está assustada mesmo.
Vieram se defender.
Chega a ser esquisito.

Deixa eu contar mais um pouco: o estande é meio lounge, tem pufes, luminárias e livros pra quem quiser sentar ali e ler em um bom polen bold. E mais: em um espaço especial, uma moça lê initerruptamente, livros inteiros. Na sexta, por exemplo, leu todo o Luka e o fogo da vida, do Salman Rushdie. Leu sem parar durante quase cinco horas, e quem quisesse podia colocar fones de ouvido e acompanhar a leitura dela.

Um tanto bizarro, um tanto surreal, mas também muito parecido com as mesas sobre a questão dos livros: escancara o tema do momento e bota pra pensar, pra perguntar. Por exemplo: não vi até agora ninguém lendo um Kindle ou um Ipad por aqui. Na verdade, vi muito poucas pessoas lendo aqui em Parati. Mas no estande da Suzano sempre tem um sujeito ou outro agarrado num livro. Outra coisa é essa mulher que hoje vai ler um livro infantil e depois uma das tantas obras que tem lá na biblioteca que a Suzano oferece: além de estar comprovando o que o pessoal da fabricante de celulose quer comprovar - que o papel não cansa os olhos como uma tela -, ela está também nos lembrando do seguinte: meu chapa, livro não fica sem bateria nunca, pode ficar chato, lento, enrolado, mas não vai nunca apagar no meio da leitura.

E isso significa o quê?

Tudo e nada. Assim como as mesas sobre a questão dos livros aqui da FLIP, o estande da Suzano, ao mesmo tempo, reforça o pavor e o medo de que o livro impresso esteja mesmo sumindo, e a esperança de que sempre vai ter um canto pra gente ler em bom e amarelo polen bold.

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Só pra não perder o hábito de fazer comentários rápidos:

1 - Não lotou a mesa sobre o futuro dos livros na sexta de manhã. Apesar de tudo o que eu escrevi aqui em cima, na verdade, ninguém está tão interessado nesse assunto assim?
2 - Pauline Melville e William Boyd fizeram mais uma boa mesa com bastante espaço para a literatura e reafirmaram uma tradição que a FLIP tem pra mim: a de me fazer voltar pra Porto Alegre com uma lista de autores para ler.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

POR CAUSA DA FLIP 1

Pois Suposto, querido, voltei.
E tanto tempo sem aparecer aqui vai ser compensado com uma enxurrada.
É que ando por Parati, na FLIP, e combinei de mandar pra revista Aplauso alguns textos sobre o que vejo por aqui. Entonces, dá pra ler lá na Aplauso, ou aqui embaixo mesmo. Aparece aí, Suposto, porque eu vou vir aqui todos os dias.

Ah, e o primeiro texto tá aqui embaixo:

O SISTEMA DE TELETRANSPORTE DA FLIP

Dá pra falar muita coisa de um primeiro dia de FLIP. Dia em que assisti quatro mesas, cruzei com o Moacyr Scliar, André Laurentino, Cardoso, mas tem uma coisa que não me sai da cabeça, que me põe confuso já há um tempo, desde a primeira vez em que vim pra Festa, em 2006. Falo do misterioso sistema de teletransporte daqui de Parati.

Calma, posso explicar.

Ainda não entendi como é que se faz pra ter acesso a esse serviço, nem ninguém me confirmou que ele exista. Mas só pode existir. Vou dar um exemplo que com exemplo a gente entende melhor.

Seguinte, depois de cada mesa da FLIP, os autores têm uma sessão de autógrafos, sentam-se atrás de uma mesa, caneteiam e são fotografados pelos fãs. Pois, depois da mesa da Isabel Allende, não foi diferente: após uma hora e tanto de causos, Antonios Bandeiras, Allendes, plásticas e outros assuntos, a Isabel disse Gracias pra plateia, o pessoal aplaudiu, eu levantei e comecei a sair. E no que saí da tenda, me deparei com uma fila de mais ou menos cem, cento e cinquenta pessoas já esperando pelo autógrafo. Repito: a mesa encerrou, eu levantei e já tinha umas 200 pessoas - no tempo de uma frase, a fila cresce muito por aqui. Nem cinco minutos.

Tchê, aí é que me pergunto: como, de onde, quando essa pessoas todas surgiram? Surgem?

Porque esse fenômeno da geração expontânea de fila não é exclusividade da escritora chilena não. Já vi o mesmo e até mais acontecer pro Chico Buarque, Lobo Antunes, Coetzee, Amóz Oz, Ferreira Gullar e outros. É um troço que acontece num já, que, juro, se o Usain Bolt disparasse no momento do agradecimento, ele ia pegar o trigésimo, o quadragésimo lugar da fila.

E aí fico pensando: como é que faz pra ser o primeirão?

Era do que eu vinha falando, esse sistema de teletransporte da FLIP. Ainda não sei se são só os VIPs que têm. Ou se são cobaias humanas de um projeto científico. Ou as duas coisas. Mas dou por certo que uma turma recebe ingressos com um moderníssimo chip teletransportador que ao menor ruído de Gracias ou Thanks, teletransporta o sujeito pra fila de autógrafos. Assim, vup, imediato, de um lugar ao outro sem perder um segundo.

Só pode ser assim.

Porque se não for, seria uma sacanagem com os grandes fãs da Isabel Allende, do Chico, do Paul Auster. Seria sim, já que sem o teletransporte, só teria um jeito de estar lá no primeiro lugar da fila: sair antes da mesa acabar. Pô, e é tão difícil conseguir ingresso pra FLIP (nesse ano, acabaram em duas horas), está cada vez mais caro, seria até triste essa turma ter que levantar antes, perder o que seus autores favoritos têm a dizer, pra ter que correr pra pegar um autógrafo. Não é?

Que bom que tem o teletransporte, então.

P.S: As fotos mostram um pouco da fila de autógrafos da Isabel Allende. Todas essas pessoas já estavam na fila, quando eu saí da mesa.

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A comentar:
1 - Acho que a grande mesa do primeiro dia foi Fábulas Contemporâneas, que reuniu os brasileiros Ronaldo Correia de Brito, Beatriz Bracher e Reinaldo Moraes. Bate-papo solto, mas falando de literatura, discutindo processos, formas e estilos de cada um. Coisa boa de ver ouvir. Pena que tenha sido também a mesa com menos público das quatro que assisti.

2 - Humberto Werneck é o melhor mediador que já vi em FLIPs. Ele mediou uma mesa histórica do Lobo Antunes no ano passado e neste ano comadou a participação da Isabel Allende. Grande. E detalhe: mediadores podem ser a diferença entre assistir declarações no melhor estilo Caras - acontece muito por aqui - ou ver escritores discutindo literatura pra valer.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Por Causa do Suposto Juiz

Oi, Suposto Leitor.

Pois como eu já tinha dito, entrei de juiz no Gauchão de Literatura. Apitei-resenhei a partida entre Lya Luft x Susana Vernieri. Quer saber o que que deu disso. Então vai lá no site do Gauchão e descobre.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Por Causa do Sumiço, da Copa e de Canoas

Andei sumido, eu sei, Suposto Leitor. Se foi por causa da copa? Também. Mas não a copa do mundo, lá na África do Sul. Sim, por causa da Copa Gaúcha de Literatura. Que diabos é isso? Ah, é um idéia do Rodrigo Rosp, inspirada na Copa Brasileira de Literatura. É um torneio entre livros. Sim, livros divididos em grupos, disputando jogos para chegar a grande final. E como é que livro joga. Simples, Suposto, chama-se um juiz, que é o sujeito que vai ler dois livros, resenhar e comparar as obras e atribuir um placar. Dá pra entender melhor no site da função.

Pues bem, aí é que eu entrei. Sou um dos juízes da peleia e esse é um dos motivos pelos quais ando longe daqui. Mas logo, logo, vou avisar que a data da minha partida.

Enquanto isso, faço aquela agendinha pra avisar que, semana que vem, vou duas vezes a Canoas, participar da Feira do Livro de lá que não para de crescer. Confere a programação aqui. E aqui, a minha programação:
14 de junho, segunda às 19h30: faço um debate papo com o Rafael Jacobsen sobre o trabalho de criação no conto e no romance. A entrada é franca e conversa acontece no Auditório Raquel de Queiroz, na Praça da Bandeira.

19 de junho, sábado às 15h: aí é uma mesa com o Charles Kiefer e o Rodrigo Rosp sobre mercado editorial e afins. A entrada é franca e também será no Auditório Raquel de Queiroz, na Praça da Bandeira.

Bueno, Suposto confere o Gauchão de Literatura e, se puder, aparece lá em Canoas.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Por Causa da Berda na Molsa

Lembram da história do botão vermelho, da guerra fria, do ai meudeusdocéu se alguém deixa o copo de café sobre o botão vermelho e disparam os mísseis nucleares, lembram? Eu não lembro, nasci quando a guerra fria já amornava. Mas todo mundo sabe dessa paranóia, o mundo a mercê de um cotovelo descuidado, podendo virar pó porque um russo engraçadinho disse “pensa rapidoviski”, jogou uma bola pro amigo, o amigo tava distraidoviski e a bola bateu no botão e bumzovsky, todos desaparecemos.

Pois, Suposto Leitor, esses tempos estão de volta.

Não, não a guerra fria, meu chapa. Mas o medo do botão errado, na hora errada. Não viu as notícias da despencada das bolsas ontem? Se não viu, eu te conto, ou melhor, transcrevo o interessante trecho do botivo, digo, motivo, da queda:

(...) até que houve a queda brusca, de cinco minutos, na Bolsa de Nova York. (...) O mergulho poderia ter começado pelo erro de um corretor, aparentemente do Citigroup, que, em vez de teclar a letra “m” de milhão, apertou a “b” de bilhão. A ordem de venda onde aparece o suposto erro pode ter sido sobre ações da empresa Procter & Gamble, que recuaram imediatamente mais de 25%.

Tchê, deu pra entender isso? Hoje em dia a gente já sabe que vive que nem dominó por causa da globalização, das bolsas, da queda do muro de Merlim, digo, Berlim, etecétera e tal, que se derrubarem uma pecinha lá na Cracóvia a coisa vem caindo até aqui.

Mas o que eu não sabia é que a coisa é tão, tão, mas tão sutil. Um operador da molsa, digo, bolsa, em Xangai aperta uma letra errada e bum! Bolsas abaixo, cabelos em pé, todo mundo louco, crise mundial.

Não tem “control z” no mercado financeiro?

Não tem aquela telinha do windows perguntando “Are you sure?”

Só que o mais catastrófico disso talvez seja constatar essa manalização, ou melhor, banalização das cifras, do lidar com dinheiro. Do jeito que as informações chegam pra gente, a sensação que dá é a de que vivemos no meio de um monte de Doctor Evils, o vilão do Austin Powers, sabe? E não pela vilania, pelas ganas de conquistar o mundo, não. Mas porque imagino um monte de carecas na bolsa vendendo one million dólares... ops, one billion dólares! Vai dizer, é tanto dinheiro circulando assim, sem ninguém tocar, sem ninguém contar, sem ninguém ver, sem faltar no final do mês, voando pra lá e pra cá, é tão não real e banal que nas matérias, nos investimentos nas conversas e na bolsa, se troca do milhão pro bilhão num ops, num não era isso que eu queria dizer. E a coisa fica por aí mesmo. A distância entre um milhão e um bilhão, em vez de novecentos e noventa e nove milhões, pode ser a tecla o ene que separa o bê do m no teclado. Só isso.

Sugiro que a Apple, a IBM, a Microsoft criem um teclado exclusivo pra bolsas de valores com as teclas hundred, thousand, million, billion e, quem sabe, trillion. Acho que quem lançar esse produto vai faturar milhões. Ou bilhões.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Por Causa da Mudança

Uma sensação que me bateu esses dias, que não chegou a virar um texto:

Arrumar os livros nas prateleiras da casa nova é lembrar da minha ignorância.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Por Causa de Festa


Opa, Suposto.

Se estiver em Porto Alegre de hoje a domingo, não perde a FestiPoa Literária. Pois é, hoje começa a 3ª edição da Festa Literária de Porto Alegre promovida pelo Fernando Ramos, do Jornal Vaia. Parece que tá maior e ainda melhor do que nas edições anteriores. Quer conferir a programação? Clica aqui. É certo que tu vai me encontrar assistindo alguns eventos. E também participando desses aqui:


- Dia 21 de abril: Quarta-feira: 20h: 20h: Lançamento da coletânea O melhor da festa volume dois (Casa Verde, 152 páginas, R$ 20,00) no Pé Palito (Rua João Alfredo, 577).

Trata-se do livro que reúne poemas, contos e crônicas inéditas dos 32 autores que participaram da FestiPoa do ano passado. Tem um conto meu aí.


- Dia 23 de abril: Sexta-feira: 20h30: Festa Sexta básica - dia do livro e do autor, no Zelig (Rua Sarmento Leite, 1086)

leituras e shows com escritores e músicos. Um deles sou eu.


- Dia 24 de abril: Sábado :17h30: Leitura “Desacordo ortográfico”, com Reginaldo Pujol Filho na Palavria (Rua Vasco da Gama, 165).

Eu, Xico Sá e Cardoso vamos ler alguns trechos da antologia Desacordo ortográfico organizada por mim.


Bueno, não perde, Suposto.

É tudo com entrada franca e coisa assim não tem todo dia nessa cidade.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Por Causa de Dias Raros

Pois decidi começar a falar aqui também dos livros que eu gosto. Digamos que eu esteja iniciando uma sessão, Recomendações Para Um Suposto Leitor. E por que isso?

Por causa de dias raros, como aqueles em que tu descobre na prateleira um livro comprado já há um tempo e não lido sabe-se lá por quê. Foi o que aconteceu com um volume de contos de título muito pertinente: Dias raros, de João Anzanello Carrascoza. 103 páginas que fazem jus ao título da capa, no mínimo, porque não é em qualquer dia que se abre um livro e, logo no primeiro conto, nas primeiras linhas, dá de frente com frases como (...)a manhã hesitava, uns cheiros de dia novo pairavam no ar(...); (...)coisa mínima para a maioria, ir de um aqui a um ali, costurar as margens do cá às do lá, mas para ele a raridade que raiava(...); ou (...)porque era uma hora enorme em sua vida. Frases dessas que criam minutos enormes na nossa vida de leitor, que já me bastariam, mas que faziam mais do que serem frases: compunham, junto com tantas outras, o conto Cidade-mundo que abre o livro do Carrascoza.

Cidade-mundo é um texto que, depois de ler pela primeira vez, reli, todo, em voz alta para a minha namorada. Não só pra mostrar a beleza da linguagem, mas também pela história de um menino que começa a se ver menino-homem no encontro com uma cidade-mundo. Coisa linda. Ainda mais porque para nos contar dessa cidade que um mundo para o menino, o autor faz de cada palavra um universo de significados para nós leitores.

Fosse isso e o livro já estava recomendado pra ti, Suposto Leitor. Mas tem mais. A começar pela unidade do livro, construída a partir do título e costurada pelo enredo das histórias. Adoro livros de contos com unidade, que buscam ser mais do que um pacote de biscoitos sortidos.

Dá pra dizer que o Carrascoza fez isso. Dá pra dizer que cada conto é um dia, um pedaço de um dia capaz de tornar uma data uma lembrança, um momento raro. Coisas que às vezes nem se vê no exato instante vivido – ou nunca, até. Mas que podem acontecer todos os dias. Como a história do menino de Cidade-mundo. Ou a de outro menino que vê outra realidadenuma viagem de caminhão com o pai. Também existe dias raros pelo poder que tinham de vir a ser. Como na visita surpresa do irmão à irmã ou nas entrelinhas do que não é dito entre mãe e filho, no conto Umbilical. Parece que Carrascoza vê e mostra, entre tantas coisas, que não é só o acertador da mega-sena quem vive um dia raro.

E faz isso bem demais, parecendo estar sempre na busca também da palavra, da frase rara, caprichando nos seus narradores. Há um exercício que aproxima Cortázar de um subúrbio paulista no já citado Umbilical. Também se percebe tintas da Clarice Lispector ou melodias que lembram gentes como o Lobo Antunes e outros grandes portugueses. Tudo em uma combinação inesperada, como tem que ser para fazer surgir o único. A combinação que compõe dias raros.

Se quiser te empresto, Suposto.
Ou clica na capa.


Livro: Dias raros
Autor: João Anzanello Carrascoza
Editora: Planeta

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Por Causa do Desacordo e do Luis Filipe Cristóvão

Haverá um Suposto Leitor em Portugal?

Espero que que sim.

Porque o DESACORDO ORTOGRÁFICO, antologia que eu organizei, reunindo Altair Martins, Cardoso, Gonçalo M. Tavares, Luis Fernando Verissimo, Luís Filipe Cristóvão, Luandino Vieira, João Pedro Mésseder, Manoel de Barros, Maria Valéria Rezende, Marcelino Freire, Nelson Saute, Olinda Beja, Ondjaki, Patrícia Portela, Patrícia Reis, Pepetela, Reginaldo Pujol Filho, Rita Taborda Duarte, Rogério Manjate e Xico Sá SERÁ LANÇADA HOJE, 25/2/10 ÀS 22H (HORÁRIO DE PORTUGAL) EM PORTUGAL. O lançamento será pela editora Livro do Dia do Luis Filipe Cristóvão que resolver ser, mais do que autor da antologia, também editor. A função toda acontece na programação oficial do Correntes d'Escritas 2010, maior evento literário português.

E aí, Suposto, existem supostos d'além mar?

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Por Causa do Mosquito

Gente amiga, pois volto aqui por um motivo muito semelhante ao que inaugurou esse espaço há quase dois anos. Só que dessa vez não é um elefante que está incomodando muita gente. São os mosquitos.

Antes de qualquer coisa, preciso dizer o seguinte: tenho pavor de mosquito. Durmo com repelente na tomada, ventilador ligado, lençol, mosquiteiro e armadura pra me escapar desses bichinhos que ainda não disseram exatamente a que vieram.


Mas vieram, né?


E vieram tantos que hoje vi na TV uma notícia: pesquisadores americanos e ingleses descobriram um jeito de evitar que mosquitos nos tragam, além de zumbidos, doenças. Sério? Pra valer? Aumentei o volume pra conhecer esse novo repelente, esse campo de força, essa, sei lá, vacina?

Errei, Suposto. Sabe o que é que os sujeitos inventaram? Genes alterados. Aliás, um gene alterado, implantado no mosquito macho que vai fazer um zum-zum gostoso com a mosquita, transmite o gene alterado e daí o que acontece? Nove meses depois (eu sei, Suposto, é bem menos tempo, isso é uma brincadeira), mas nove-meses-de-mosquito depois, nasce um lindo mosquitinho sem asas. Isso, um mosquitinho aleijado, portador de necessidades especiais e não de asas. Pois dizem os doutores, em bom inglês, que assim os bichos vão ter mais dificuldades de voar pra nos picar e também vão ser mais facilmente envenenados.


Mas, jesus, que idéia é essa?


Imagina se esses moços resolvem acabar com a criminalidade? Fácil, um genezinho modificado ali, a turma começa a nascer sem mãos e, pronto, ninguém mais pode assaltar? Isso?


Já que era pra danar com a vida dos bichinhos não era melhor fazer um gene alterado que explodiria a fêmea na hora da fecundação? Ou que desenvolvesse nos mosquitos gosto por suco de beterraba em vez de sangue? Ou educação pra nos atacar acordados e, ainda assim pedindo licença, avisando que vai doer só um pouquinho?


E, antes que achem que eu gosto de mosquito, digo que não estou preocupado só com eles, me preocupo com a natureza como um todo. Os sapos vão enfrentar uma crise de obesidade com tanto mosquito de mão beijada. As aranhas vão ficar preguiçosas e vão parar de fazer teia. As lagartixas vão desaprender a subir nas paredes, porque os mosquitos não vão mais estar lá.


Rapaiz, se tem um troço que a Nena – minha professora de biologia no colégio, Suposto –, o Greenpeace e o WMF me ensinaram é que não se mexe assim na natureza, sem afetar cadeia alimentar, ciclos naturais e sei lá mais o quê.


Agora imagina resolver que um bicho, que há quinquilhões de anos voa, não voa mais? Ah, tá, macaco, não gosta mais de banana, castor vai ser banguela e galinha não põe mais ovo e não muda nada?


O que se diz é que a natureza é sábia e que tudo, tudo aí tá encaixadinho como um castelo de cartas. Tudo tem sua função, até o mosquito teimoso me enchendo o saco de noite. E, aliás, grandes coisas a gente não saber qualé a do mosquito no mundo. A gente não vive perguntando qual é o sentido da nossa vida?

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Por Causa do Alarme

Pois ontem eu tive uma experiência religiosa. Numa loja de alarmes para carros. Não, não tive nenhuma visão ou presenciei a multiplicação dos bips. Nada assim. Foi uma experiência sobre a qual eu já tinha lido num ensaio do Cesar Aira no livro Pequeno manual de procedimentos. É uma experiência que na verdade todos nós vivemos todos os dias, inclusive tu, Suposto Leitor.

Qual é ela?

Explico:

Acontece que eu cheguei lá na loja pra consertar o alarme do meu carro, que tinha despirocado. Pedi pro sujeito ver o que estava acontecendo. Ele olhou, fuço, abriu painéis, disparou alarme, parou alarme, fez uma cara de quem perdeu um gol feito e me mostrou uma plaquinha dessas de condutores e disse:
- É, queimou o relé do (Rebimboca? Parafuseta? Distrático?) e deu um curto no (Manetel? Bistreque?).

Eu fiz cara de que não precisava de tradutor e perguntei Ah, então a gente troca o relé?
- Não, esse relé não dá pra trocar.

Ah, que estúpido, claro ESSE relé não dá pra trocar. Então como é que faz?
- Daí a gente vai ter que trocar todo alarme.

E eu concordei com ele, claro, troquemos o alarme.

Onde está a experiência religiosa? Na nossa relação com a tecnologia, com a ciência nos dias de hoje. O troço se especializou tanto, correu tanto na nossa frente que a coisa ficou meio como Deus, ou a gente acredita, ou não acredita. Mas não entende, não explica e nem tenta.

Assim como o carinha me disse que tinha que trocar o alarme, se ele me dissesse que eu tinha que rezar 13 pai-nossos e 17 ave-marias pra coisa funcionar, eu faria. Porque eu não entendo nada disso. E nunca vou entender. Então a gente acredita na palavra dos papas, dos padres, dos bispos da tecnologia, os únicos que entendem os mistérios do funcionamento do nosso mundo, não é?

Qual é a diferença entre reinicie o computador e acenda uma vela?

Pra mim, nenhuma, desde que as coisas continuem funcionando, não é?

Eu tô num ponto de ignorância científico-tecnológica que é capaz de eu chegar na oficina, e o cara me dizer, olha, esse barulhinho que o teu carro tá fazendo, é batata, tem que comprar um novo. Por que não? O cara é um ungido com os segredos da injeção eletrônica, o mecânico é meu pastor e nada me faltará.

Sei lá eu.

Só sei que é engraçado pensar que de tanto tentarem explicar o mundo e as coisas, o troço acabou ficando mais misterioso do que era um trovão pro meu avó Australopitecus Pujol.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Por Causa da Harmonização

Dizem os especialistas em bons anos que 2010 vem com notas de couro, mato, papel timbrado e um toque muito pronunciado de twairithan – uma fruta típica da Tailândia perfeita para harmonizar com vinhos brancos do norte da Suécia.

O Suposto Leitor, além de estar perguntado Ah, ele tá vivo, deve tar questionando, mas que bobagem é essa?

Eu faço a mesma pergunta, Suposto.

Que é por esse caminho que as coisas tão indo. Um tempo atrás li uma matéria na Veja que falava dos enochatos. Essa galera que faz um cursinho de degustação de vinho e depois vai pra restaurante, pra janta com amigos, fazer bochecho com vinho que nem se fosse Cepacol e, como se a bebida tivesse gás, depois ficam meia-hora arrotando aromas, notas, bouquets, frutas vermelhas e o carvalho a quatro.

Bueno, eu achava que essa matéria em revista de grande circulação e coisa e tal era um indício de que as coisas tavam tomando seu prumo. Nem toda hora é hora pra isso, o ridículo da situação tava aparecendo, o enólogo estava nu.

Mas não.

Errei.

Ao longo dos últimos tempos, comecei a me deparar com o advento da palavra barista. Que não tem nada a ver com bar. Mas com café. São os caras que sabem preparar bons cafés. E, se tem quem prepare bons cafés, é preciso apreciadores de bons cafés. Pronto, blends, discussão sobre o tipo de solo, amargor e notas de suor de gavião, de carne de lhama e de pimenta da Mongólia começaram a acompanhar mais o cafezinho do que pão com manteiga.

Eu já tava passado com isso.

Por isso, pra refrescar as idéias, fui tomar uma cervejinha. Pedi uma, e o cara do bar me perguntou se eu preferia uma red ale, uma stout, um lager ou uma pilsen. Falei que Serra Malte tava bom e um bolinho de bacalhau pra acompanhar. O cara torceu o nariz pra mim, e eu perguntei Que foi, que é, não tem bolinho? Não, não é que não tinha bolinho é que a minha pedida não tava de acordo com uma boa harmonização, que eu ia perder toda a profundidade de sabores que aquela cerveja extra poderia me proporcionar, mas que, bem, talvez com uma pimentinha e uma mostarda, eu poderia conseguir uma harmonização por contraste.

Enquanto bebia um gole da cerveja e sentia notas de bacalhau nela – um fiapo do peixe tinha ficado no meio dos dentes –, pensei nessa história toda e comecei a achar que nos roubaram o direito do simples gostar ou não gostar, já viu? Eu gosto de vinho tinto com peixe. Deusulivre, rapaz!, peixe, dependendo do peixe, pede um sauvignon blanc. Tinto jamais!

Não, peixe só pede uma coisa: minhoca. Eu peço peixe com vinho tinto e pronto.

O Suposto leitor, a essa altura, deve estar dizendo que eu sou radical, patatipatatá.
Mas eu discordo. Acho que radicalização, Suposto, é esse troço de ter que ser apreciador de tudo.

Desse jeito daqui a pouco a coisa degringola de vez e o meu tio gaudério vai ter que queimar as bochechas, bochechando o mate quente, pra poder dizer:
– Mas tchê, baita erva esta, sinto notas de costelão doze horas, arroz de carrateiro e beijo de chinoca, bagual! Este chimarrão harmoniza bem que é uma beleza com uma rapadura de Santo Antonio da Patrulha ou com uma cuca de uva.
Ou vai ter neguinho, depois de correr, fazer exercício, pensando que água que vai tomar. Hmmmm, depois da academia, tomo Perrier ou São Lourenço. Depende. Ume pedida segura é a Xiangsoan, uma água de poço do interior chinês, com acidez elevada que faz uma harmonização perfeita com barrinha de cereal de castanha. Light.

Já eu pedi mais uma cerveja. Agora com um pastel.