quarta-feira, 1 de junho de 2011

Por Causa da Funerária – É o que Parece

Ouvia eu a rádio Guaíba, esperando alguma novidade sobre o Grêmio, quando entrou no ar o comercial da Funerária São Pedro – e isso não é uma ironia quanto a situação do meu time. Entrou mesmo uma propaganda de funerária, que é um troço bem esquisito, né? Quem quer ouvir falar de funerária? Quem está procurando esse serviço? Imagina: cara, que achado essa funerária, tava justo precisando de uma, vou agora mesmo conhecer.

Mas a Funerária São Pedro faz propaganda.

E o melhor: lá pelas tantas diz assim: Funerária São Pedro, nem parece funerária.

Ah, não?

E parece o quê? Aliás, e qual o problema de uma funerária parecer uma funerária? Com o que ela deveria se parecer?

Com Salão de Beleza?

Sim, os corpos tem que ser tratados, maquiados, então eles apostam nesse viés do serviço. A gente entra lá, os-que-já-foram estão todos sentadinhos em cadeiras, com hair stylist fazendo o cabelo, a maquiagem, as unhas. A gente ouve uns “me-ni-na, esse cabelo vai a-rra-sar no seu funeral, a peruada vai mo-rrer!”, também se escuta “nossa, essa maquiagem deu outra vida pra você”, tem bronzeamento artificial pra todo mundo parecer que morreu em Cancun, e, com aquele cheiro de xampu, cremes, só percebe que estava em uma funerária quem olha a nota fiscal na saída. Será isso?

Ou funerária que se parece com parque aquático?

Compra um ingresso pra você e seu ente-querido (ou pra a família toda curtir essa despedida), e aí entram no maior toboágua do mundo, sentados em um carrinho que já parece caixão. Muita água e sprays perfumados já preparam o corpo pro funeral, mas ninguém pensa nisso, o negócio é gritar, sentir frio na barriga (no caso do defunto no corpo todo) a cada looping e a família toda curtir a maior diversão. Não é demais? E depois pegar na saída aquela foto-flagra de todos (menos o-que-bateu-as-botas) gritando num decida de 90 graus pra jamais esquecer o momento.

Quem sabe funerária que se parece com loja de design?

Tudo branco, minimalista, pouquíssimos objetos, música chill out ao fundo. Somos recebidos com clericot ou água com hortelã, o piso é iluminado e aí você pede pra ver os arranjos de flores, e um cara magrinho, sem olhar pro seu rosto, joga a echarpe pra trás e diz “Flores? So last week, meu querido... aaaff...”. O catálogo de caixões tem modelos assinados por Philipe Starck, Irmãos Campana, com curvas, materiais alternativos. Uma senhora até comenta “Caixão, mas isso nem parece caixão!” O cara joga a echarpe pra trás de novo, revira os olhinhos pra cima e suspira, como quem diz “E isso parece funerária, fofa?”

Funerária que parece oficina mecânica?

Quem te recebe é um cara com a mão cheia de graxa, macacão aberto, palitinho de fósforo na boca. O radinho mandando aquele debate esportivo ao fundo. Enquanto se discute quatro-três-três ou três-cinco-dois no som ambiente, o sujeito, meio de lado, de canto de olho, analisa o corpo do finado de cima a baixo e manda ver o diagnóstico especialiazado:

- olha, tchê, o estrago aí foi grande... acho que o serviço vai demorar, tem que ver aí se tem peça... deve ter até pegado na rebimboca do sujeito... as junta... Serviço pra 15 dias...

- 15 dias, mas o funeral é amanhã!

- Amanhã? – o cara passa o paninho na testa suada, coça os pelos do peito – posso dar um jeito, vi que o senhor é gente fina, mas vai sair mais caro, né?

Que tu acha, Suposto Leitor? Eu, acho, ou melhor, fico pensando aqui com os botões do computador: imagina se vira moda e a padaria começa a parecer banco; a farmácia, clube de strip; o restaurante, estúdio de tatoo; a livraria, uma academia de ginástica; o supermercado, um cartório;

E, se essa receita de bolo que você está lendo, não parecesse uma receita de bolo?