quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Por Causa do Alarme

Pois ontem eu tive uma experiência religiosa. Numa loja de alarmes para carros. Não, não tive nenhuma visão ou presenciei a multiplicação dos bips. Nada assim. Foi uma experiência sobre a qual eu já tinha lido num ensaio do Cesar Aira no livro Pequeno manual de procedimentos. É uma experiência que na verdade todos nós vivemos todos os dias, inclusive tu, Suposto Leitor.

Qual é ela?

Explico:

Acontece que eu cheguei lá na loja pra consertar o alarme do meu carro, que tinha despirocado. Pedi pro sujeito ver o que estava acontecendo. Ele olhou, fuço, abriu painéis, disparou alarme, parou alarme, fez uma cara de quem perdeu um gol feito e me mostrou uma plaquinha dessas de condutores e disse:
- É, queimou o relé do (Rebimboca? Parafuseta? Distrático?) e deu um curto no (Manetel? Bistreque?).

Eu fiz cara de que não precisava de tradutor e perguntei Ah, então a gente troca o relé?
- Não, esse relé não dá pra trocar.

Ah, que estúpido, claro ESSE relé não dá pra trocar. Então como é que faz?
- Daí a gente vai ter que trocar todo alarme.

E eu concordei com ele, claro, troquemos o alarme.

Onde está a experiência religiosa? Na nossa relação com a tecnologia, com a ciência nos dias de hoje. O troço se especializou tanto, correu tanto na nossa frente que a coisa ficou meio como Deus, ou a gente acredita, ou não acredita. Mas não entende, não explica e nem tenta.

Assim como o carinha me disse que tinha que trocar o alarme, se ele me dissesse que eu tinha que rezar 13 pai-nossos e 17 ave-marias pra coisa funcionar, eu faria. Porque eu não entendo nada disso. E nunca vou entender. Então a gente acredita na palavra dos papas, dos padres, dos bispos da tecnologia, os únicos que entendem os mistérios do funcionamento do nosso mundo, não é?

Qual é a diferença entre reinicie o computador e acenda uma vela?

Pra mim, nenhuma, desde que as coisas continuem funcionando, não é?

Eu tô num ponto de ignorância científico-tecnológica que é capaz de eu chegar na oficina, e o cara me dizer, olha, esse barulhinho que o teu carro tá fazendo, é batata, tem que comprar um novo. Por que não? O cara é um ungido com os segredos da injeção eletrônica, o mecânico é meu pastor e nada me faltará.

Sei lá eu.

Só sei que é engraçado pensar que de tanto tentarem explicar o mundo e as coisas, o troço acabou ficando mais misterioso do que era um trovão pro meu avó Australopitecus Pujol.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Por Causa da Harmonização

Dizem os especialistas em bons anos que 2010 vem com notas de couro, mato, papel timbrado e um toque muito pronunciado de twairithan – uma fruta típica da Tailândia perfeita para harmonizar com vinhos brancos do norte da Suécia.

O Suposto Leitor, além de estar perguntado Ah, ele tá vivo, deve tar questionando, mas que bobagem é essa?

Eu faço a mesma pergunta, Suposto.

Que é por esse caminho que as coisas tão indo. Um tempo atrás li uma matéria na Veja que falava dos enochatos. Essa galera que faz um cursinho de degustação de vinho e depois vai pra restaurante, pra janta com amigos, fazer bochecho com vinho que nem se fosse Cepacol e, como se a bebida tivesse gás, depois ficam meia-hora arrotando aromas, notas, bouquets, frutas vermelhas e o carvalho a quatro.

Bueno, eu achava que essa matéria em revista de grande circulação e coisa e tal era um indício de que as coisas tavam tomando seu prumo. Nem toda hora é hora pra isso, o ridículo da situação tava aparecendo, o enólogo estava nu.

Mas não.

Errei.

Ao longo dos últimos tempos, comecei a me deparar com o advento da palavra barista. Que não tem nada a ver com bar. Mas com café. São os caras que sabem preparar bons cafés. E, se tem quem prepare bons cafés, é preciso apreciadores de bons cafés. Pronto, blends, discussão sobre o tipo de solo, amargor e notas de suor de gavião, de carne de lhama e de pimenta da Mongólia começaram a acompanhar mais o cafezinho do que pão com manteiga.

Eu já tava passado com isso.

Por isso, pra refrescar as idéias, fui tomar uma cervejinha. Pedi uma, e o cara do bar me perguntou se eu preferia uma red ale, uma stout, um lager ou uma pilsen. Falei que Serra Malte tava bom e um bolinho de bacalhau pra acompanhar. O cara torceu o nariz pra mim, e eu perguntei Que foi, que é, não tem bolinho? Não, não é que não tinha bolinho é que a minha pedida não tava de acordo com uma boa harmonização, que eu ia perder toda a profundidade de sabores que aquela cerveja extra poderia me proporcionar, mas que, bem, talvez com uma pimentinha e uma mostarda, eu poderia conseguir uma harmonização por contraste.

Enquanto bebia um gole da cerveja e sentia notas de bacalhau nela – um fiapo do peixe tinha ficado no meio dos dentes –, pensei nessa história toda e comecei a achar que nos roubaram o direito do simples gostar ou não gostar, já viu? Eu gosto de vinho tinto com peixe. Deusulivre, rapaz!, peixe, dependendo do peixe, pede um sauvignon blanc. Tinto jamais!

Não, peixe só pede uma coisa: minhoca. Eu peço peixe com vinho tinto e pronto.

O Suposto leitor, a essa altura, deve estar dizendo que eu sou radical, patatipatatá.
Mas eu discordo. Acho que radicalização, Suposto, é esse troço de ter que ser apreciador de tudo.

Desse jeito daqui a pouco a coisa degringola de vez e o meu tio gaudério vai ter que queimar as bochechas, bochechando o mate quente, pra poder dizer:
– Mas tchê, baita erva esta, sinto notas de costelão doze horas, arroz de carrateiro e beijo de chinoca, bagual! Este chimarrão harmoniza bem que é uma beleza com uma rapadura de Santo Antonio da Patrulha ou com uma cuca de uva.
Ou vai ter neguinho, depois de correr, fazer exercício, pensando que água que vai tomar. Hmmmm, depois da academia, tomo Perrier ou São Lourenço. Depende. Ume pedida segura é a Xiangsoan, uma água de poço do interior chinês, com acidez elevada que faz uma harmonização perfeita com barrinha de cereal de castanha. Light.

Já eu pedi mais uma cerveja. Agora com um pastel.