terça-feira, 31 de agosto de 2010

Por Causa da FLIP 5 - FIM

Tá bem, coloquei aqui ontem o texto sobre o que fica da Flip, falando da gurizada lá de Parati.

Mas e a FLIP pra maiores, me perguntaria o Suposto Leitor?
Bom, foi isso aqui que eu disse:

Pois é, Suposto. Do que eu já via das Festa Literárias aqui em Parati, parece que essa edição pode vir a ser um ponto de reflexão, especialmente sobre programação. Lembro de sair da FLIP de 2007, com Amoz Oz, Coetzee, Nadine Gordimer, Mia Couto, falando de que tinha sido a FLIP das estrelas, ou a FLIP megaprodução. Ano passado, depois da programação com Sophie Calle e o ex-marido Grégoire Bouillier, Tezza e Bellatin e suas ficções biográficas, Catherine Millet e outros autores mais ou menos biográficos, a sensação era de que o evento tinha decidido mostrar essa discussão da fronteira entre o real e a ficção, essa linha tênue entre autor e narrador que tem marcado tantas obras contemporâneas.

E a de 2010?

Ainda não consegui ver uma cara nela. Parecia querer ser diferente, talvez ousada, chamando grandes atrações como Crumb e Lou Reed, em vez de prêmios Nobel. Homenageando Gilberto Freire, em vez João Cabral de Melo Neto. Pois é, mas acho que, se isso é ser ousada, prefiro outras ousadias que já vi em FLIPs, que são ousadas, mas são muito literárias. Ousadia de ser grande, como colocar o Paul Auster e o Chico Buarque juntos, sem ter medo de provocar o maior engarrafamento da história do mundo. Ou de trazer todas as estrelas da edição de 2007. Ou ainda ousar trazer gente realmente talentosa, mas longe, longe do estrelato literário. Digo assim: nesse ano de 2010 teve uma mesa que é tradicional, que é na quinta-feira, nos primeiros horários e reúne brasileiros contemporâneos. Teve coisa parecida em 2006, 2007 e acho que em outras edições também. Mas a diferença é que em 2010 não se arriscou trazer gente nova, nova, nova pra mesa. Ronaldo Correia de Brito ganhou o prêmio SP do ano passado, Beatriz Bracher já beliscou as principais premiações e Reinaldo Moraes foi um fenômeno literário nos anos 80. Tudo bem que talvez não sejam conhecidos do grande público ainda, mas já estão um passo adiante da turma que vi em 2006: André Laurentino lançando seu primeiro livro, Maria Valéria Rezende lançando o terceiro (ou segundo?), André Santanna lançando O paraíso é bem bacana, o próprio Reinaldo Moraes antes do Pornopopéia, assim, gente que eu não tinha ouvido, ou mal tinha ouvido falar. Autores como o Laurentino e a Maria Valéria, que descobri, corri pra comprar o livro, li e passei a dar de presente. Acho escolhas, garimpadas como essas, ou como trazer o Ondjaki quatro anos atrás, tão ou mais ousadas do que trazer Lou Reed.

Outra coisa que senti falta, foi da polifonia da Festa. Essa FLIP estava mais pra conto ou novela, com poucas vozes, do que pra um romance polifônico, digamos assim. Explico: dois idiomas foram privilegiados nesta edição: português e inglês. Houve também o espanhol de Wendy Guerra e Isabel Allende e talvez alguém possa querer forçar a barra e falar da iraniana Azar Nafisi e do israelense A.B. Yehoshua, mas eles vivem há anos nos EUA e acho que escrevem em inglês. Não teve argentinos, mexicanos, africanos - de língua portuguesa ou não -, chineses, franceses, italianos, alemães, tantas vozes por aí, acho que a Festa Literária foi menos internacional esse ano em Parati. Ou que o nosso narrador foi um tanto repetitivo.

Mas antes que achem que a cara dessa FLIP seja a minha amarrada, calma lá, moçada. É a FLIP.

E teve coisas boas, ótimas descobertas pra mim. Livros pra trazer pra casa.

William Boyd, por exemplo, o escocês que dividiu mesa com Pauline Melville, está na mala. Poderia estar trazendo o romance do qual ele leu um trecho, Tempestades comuns, ótimo trecho por sinal, uma cena angustiante a beira do Tamisa, muito bem narrada, mas o que está vindo é o volume de contos Fascinação. Porque o Boyd mostrou na mesa ser um pensador da literatura - ele é crítico e roteirista também - e lá pelas tantas lascou que tinha criado uma espécie de teoria do conto, dividindo o gênero em sete modelos (que podem se inter-relacionar). Falou brevemente sobre estes modelos, que podem ser conhecidos no site do autor, e me deixou curioso sobre como funciona na prática toda esta teoria. Ontem, na livraria da FLIP, folheei Fascinação e fui pro caixa. Parece ter coisa boa ali. Depois de ler, conto.

Houve a já citada mesa dos brasileiros. Boa discussão sobre literatura. Embora a mediadora tenha definido que ali estavam três estilos de romance, o do sertão (Ronaldo Correia de Brito), o intimista (Beatriz Bracher) e o urbano (Reinaldo Moraes), vi mais do que isso. Vi três jeitos de pensar o texto. O Ronaldo, nas suas falas, trouxe uma coisa paradoxal, uma racionalidade-apaixonada, um cara com quem dá vontade de conversar sobre o escrever, ele parece ter muito a dizer e a refletir, mais do que foi exigido dele na mesa. O Reinaldo talvez seja o extremo, embora tenha falado de forma e coisa e tal, pela leitura dele, pelo que já li dele, e pela fala dele, parece ser o típico contador de histórias. Desbocado? Universo junkie? Coloquial? Underground? Sim, tudo isso, mas daqueles que acreditam em primeiro contar e contar e contar a história pra ver onde vai dar. E a Beatriz Bracher, não sei se misturei o fato de estar lendo o segundo livro dela e observando profundas diferenças entre um livro e outro, mas talvez tenha somado isso à participação dela, e assim vejo uma investigadora, não a escritora do intimismo apontada pela mediadora, mas alguém investigando estilos, formas e histórias. Pois esses três soltos e com perguntas simples, mas sobre as suas obras, fizeram uma das mesas mais consistentes que vi, daquelas em que mais que conhecer os autores, vamos conhecendo também um pouco mais do que a gente pensa sobre a escrita e a leitura.

Também vale exaltar a mediação do João Paulo Cuenca, na mesa que reuniu Carola Saavedra e Wendy Guerra. Cuenca talvez devesse servir de exemplo pra outros mediadores da Festa. Foi na veia da obra das autoras, tinha os romances no colo, leu trechos sublinhados, fez intersecções inteligentes entre obras que aparentemente não se relacionavam e não caiu em clichês fáceis, como querer discutir a literatura feminina, só porque havia duas mulheres no palco. Ao contrário disso, propôs discussões sobre escolhas narrativas, sobre os significantes vários que encontrou em Paisagem com dromedário e Nunca fui primeira dama. Acredito que quem já tivesse lido os livros deva ter recebido boas chaves de leitura dessa discussão. Daí, não sei se é porque era domingo e já ia começar o Faustão, ou se porque o Cuenca resolveu falar de literatura e de literatura e não se permitiu discutir amenidades (nem quando a Wendy Guerra deu uma baita brecha comentando ter sido desde criança a Xuxa da TV cubana), não sei por qual motivo, muita gente saiu antes do fim da mesa. Talvez fosse dor nas costas, quatro dias sentado, vendo mesas, dói no ciático.

E, claro, houve a dupla participação do Robert Darnton, casada com o estande da Companhia Suzano de Celulose. Cometi a ingenuidade de vir assistir a essas mesas em busca de respostas, mas é óbvio que estou voltando com muito mais perguntas. Claro que dá esperança no futuro do livro de papel - sim, quero que ele continue - ver o Darnton falando da busca da coexistência do analógico e do digital. Ele comentou, inclusive, estar escrevendo um livro para se publicado nos dois modelos, com especificidades para a leitura linear (no papel) e outras para a leitura não linear (digital). Outro foco de esperança foi ter visto que o mesmo homem, o Makinson, editor da Penguin, na mesa com o Darnton falava em estar se preparando para um futuro digital, em livros com recursos de vídeo (queria falar mais sobre isso outra hora), mas esse mesmo sujeito e sua empresa estavam, com grande estardalhaço, lançando a parceria com a Cia das Letras para vender o quê? O quê? Livros, sim, senhor. E a Penguin não só está lançando operações no Brasil, como na China, na Coreia, na India e em outros mercados onde a alfabetização e o desenvolvimento ainda podem criar muitos leitores. É claro que se pode pensar que essa expansão tem o objetivo de compensar uma possível perda de mercado nos EUA pra plataformas digitais (embora tenha se falado em crescimento da venda de livros neste ano). Mas eu também tendo a pensar no seguinte: se o futuro é tão inevitável e iminentemente digital, estaria a Penguin fazendo toda essa expansão com livros de papel para lucrar com os últimos anos de um mercado agonizante? Resolveram gastar dinheiro? Ou ainda enxergam boas perspectivas para as vendas de livros? Tô falando: voltei com bem mais perguntas.

Ainda sobre a questão dos livros, acho que a organização das mesas refletiu um pouco do mercado editorial: esqueceram do autor. Nessas discussõe sobre direitos autorais, mercados, futuros e incertezas, além de editores, pensadores, diretores de biblioteca, não seria uma boa ter colocado um escritor de literatura? Pra gente voltar com ainda mais perguntas, questionando também o que esse movimento todo vai fazer com a linguagem? Com o modo como se conta histórias? E se lê? Perguntas, perguntas, perguntas, FLIP, Festa Literária Internacional das Perguntas também.

Quero só ainda comentar que aqui no ônibus, deixando Parati, vejo muitas pessoas lendo livros de autores que estavam no evento, livros de papel, provavelmente comprados durante a festa. A julgar por isso, a FLIP colocou mais uns cinco dias de vida nos cálculos de quem vive profetizando o fim dos livros.

Prós e contras pesados, acho que é isso que chamam de fazer um balanço do evento, não?

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Ah, sim, só mais uma coisinha: profissionais da tradução simultânea: mandem seus currículos para a organização da FLIP. Seria uma excelente surpresa, numa próxima edição, descobrir que essa área foi qualificada. Desde 2006, é a mesma turma, fazendo, às vezes, em vez de tradução, confusão simultânea das mesas.

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