quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Por Causa de 1 Centavo


Mas esse brasilzão é lindo e fagueiro e brasileiro e, vamos combinar, um capítulo dalguma ficção que alguém tá escrevendo por aí. Não é à toa que o José Simão diz que é o país da piada pronta. Que é isso?, o Suposto vai me perguntar, só porque voltou da Europa vai ficar todo narizinho de cheirar pum, metidinho, chamando a pátria mãe de terceiro mundo?

Não, Suposto. Segura aí o patriotismo. É que eu fui no supermercado hoje e me deu um estalo que já tinha me dado outras vezes. Minha humilde compra deu nove e cinquenta e sete, mas a moça do caixa, gentil e matematicamente, anunciou o preço: nove e cinqeenta e cinco. Promoção? Não, jeitinho. E aí vem o caráter ficcional da brasilidade:

Somos um país que aboliu as moedinhas de 1 centavo e nunca teve 2. Não é aquela conversa de que nós deixamos as moedinhas em casa, que aqui moeda não tem valor. Não, Suposto: é pra valer, já faz um tempo que o poder central disse Vamos parar com essa mixaria, país rico é país sem centavos. Sim. Ok. Parece que as moedas custavam mais do que valiam, é mole. 10 vezes mais. Mas tudo bem, tudo muito bonito, porém, contudo, todavia, entretanto, cortou-se o 1 centavo da fauna monetária brasileira, mas não dos preços do varejo tupiniquim. Vai no super agora, ou no shopping, onde tu quiser, meu amigo, e constata: do lado direito da vírgula, valores terminados em 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8 e 9 centavo seguem desafiando a realidade.

Deu dois e noventa e sete, doutor.

Dou três moedinhas de 1 real e o que recebo em troca? Talvez um Boa tarde, um Muito obrigado, um Volte sempre, um Etc. Minto. A criatividade brasileira é sem fim: no restaurante, lógico, como me esquecer, recebo balinhas de troco, que depois não serão aceitas pra pagar o cafezinho ou pra comprar dólares na casa de câmbio ou a passagem de ônibus, nem pra depositar na minha conta na Suíça. Brasil, o país da bala-moeda. Com perdão do chulismo, não poderia ser melhor: pega o troco e chupa, camarada. É, é ou não é? É.

Mas no Zaffari, essa catedral supermercadística gaúcha, pelo menos tu compra um pouquinho de consciência leve e não precisa pesar no setor de hortifruti. Adquiriu aquele quilinho de costela minga com uns sete cacetinhos pro churrasco pelo montante de quatorze e quarenta e três e, não tenha dúvidas, a benevolente caixa vos perguntará, meu cândido irmão: Deseja doar (míseros, parece que ela diz com o olhar) dois centavos para o Hospital de Pronto Socorro ou para o Hospital da Criança com Diabetes (ou quer guardar no porquinho, seu avarento)? Alguma dúvida de que ninguém jamais negou-se a essa caridade instantânea? Ainda bem, né? Claro, pela ajuda. Mas também porque, diz aqui pra mim, e se eu olho com cara de cachorro triste pra caixa do super e digo Moça, desculpe, mas tou desempregado, meu filho tá doente e eu preciso desses dois centavos pra levar ele de ônibus pro hospital, oh, o que aconteceria? Uma sirene piscando na Casa da Moeda, uma máquina enferrujada, começando a soltar fumaça preta pra cuspir duas moedinhas de um, que seriam embaladas a jato e entregues por um motoboy pra mim, ao custo de duzentos e quarenta e nove reais e setenta e seis centavos? valor para o qual ninguém teria troco?

Olha: imagino os complexos cálculos de lucros, demandas, entradas e saídas e noves fora que consomem meses de uma equipe pra determinar que a minha cervejinha custe dois e sessenta e nove e, não, deusulivre, não dois e setenta ou dois e sessenta e cinco. Mas, gente, alguém precisa avisar a turma das porcentagens e das matrizes e das trigonometrias que todos esses cálculos levam a um número inexistente na realidade. Claro, há os cartões e os cheques. Mas também, lembrem-se, não há. Por que não simplificar? Será isso uma sórdida ação das companhias de cartões pra que a gente se dê conta de que as compras feitas com plástico são sempre entre quatro e um centavos mais baratas? Será? Se bem que hoje a menina do Nacional abateu dois centavos da minha fatura, arredondou pra baixo. Então, não. Não precisamos boicotar a Visa. Então haverá um estatuto da OMC que manda que se cobre números quebrados, em prol da tradição do zero com noventa e nove e seu mais que estudado efeito psicológico. Por mim, o Brasil poderia proibir por lei valores que não fossem arredondados e pronto. Acho que a OTAN não nos invadiria, tampouco nossa soja sofreria retaliações. O mundo ia seguir o mesmo, e nós vamos seguir fazendo o mesmo que hoje: pagar dois e cinquenta ou dois e cinquenta e cinco. E o Zaffari que depois desconte dois centavos das minhas compras pra caridade ou mais, se ele quiser. Autorizo. Mas sem fingir que ele me deu a opção de ter meu troco de volta.

Um comentário:

Guilherme disse...

Sensacional, Reginaldo! Essas tuas tiradas cômicas deixa a gente viciado no blog! Não deixe de atualizar! Abração!