quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Por Causa da Sequela

“Frescura diária”. Eu leio isso todo dia aqui em Lisboa quando vou no super comprar uma carne, um frango, um vegetal não congelado. Tá escrito nas embalagens: frescura diária. No começo, eu até pensava qualé, tá me tirando? Depois veio uma breve aceitação reflexiosa: será uma coisa Pepeu Gomes, ser um homem feminino não fere o meu lado masculino, todo mundo tem que ter sua dose diária de frescura, homens também choram? Não, não é isso, e agora vou me acostumando com o pessoal do super me dizer que eu tenho uma frescura diária – ainda penso que eles podia dizer “alimentos frescos todos os dias” – mas vá lá, ser cosmopolita no tal mundo sem fronteiras é um pouco isso, aceitar as culturas, , ô, Suposto?

E tem que aceitar mesmo, porque no sábado, apesar da minha frescura diária, tive que dar o braço a torcer ao português² (, o português-português, duas vezes português). É que eu saí do cinema no sábado à noite questionando a minha arrogância, a minha autosuficiência, o escambau. Quem sou eu pra questionar como se fala a língua de Camões, justo na terra do Camões? Os sujeitos já falavam português muito antes do primeiro “terra a vista, o pá!” se avizinhar do Brasil brasileiro. Vamos combinar, Reginaldo, eles têm alguma experiência em escolher a palavra certa, a expressão correta pras coisas.

O Suposto deve estar se perguntando que filme que eu vi pra sair pensando essas coisas.

Não foi o filme não, Suposto Leitor. Foram umas curiosidades e pequenas informações cinematográficas que passam antes dos trailers, foi nesse momento que a ficha caiu. Tava eu olhando a tela e de repente leio a notícia de que a Universal Pictures pretende filmar de uma vez só as duas próximas sequelas de Velocidade Máxima e... Filmar o quê? Filmar as sequelas do Velocidade Máxima.

Tchê, não é continuação.

Nem sequencia (liguei pro Google pra confirmar se era sequela mesmo e não sequência)

E é sequela mesmo. Brilhantes minutos de sabedoria – e de ignorância minha que não conhecia os outros sentidos de sequela.

Mas já parou pra pensar? Então para: as continuações, esse pedaços, na maioria das vezes, defeituosos, essas pernas mancas, essas pelancas dos filmes originais, são muito mais sequelas do que sequencias. Sequência é um, dois, três, quatro, uma soma, a continuação natural das coisas. Ou seja, depois do supreendente De volta pro futuro, do grande Rock, de qualquer filme, se viesse uma sequência, como nós do senso comum entendemos a palavra, o que deveria vir é um acréscimo ao filme original, a continuação do êxtase, do maravilhamento. Mas a gente sabe que quase nunca é assim. Acréscimo na parte II, III, IV, em geral, só de dólares nos bolsos dos produtores, atores, diretores. E de paciência no nosso saco depois de mais uma vez termos pensamos “ah, vai que dessa vez a continuação é melhor”.

Pois então que palavra perfeita essa sequela portuguesa. Seria a maior descoberta de Portugal desde o Brasil? Não sei, mas ela diz tudo. Diz sim. Vai lá no Houaiss e confere. O Sexta-feira 13 XXIV, enquanto sequela, permanece sendo mais um filme que segue ao original. Mas, mais do que isso, sendo sequela em vez de sequencia, já é um aviso, um adesivo na carteira de cigarro, pro espectador: rapaz, esta é a sequela do Indiana Jones. Quer ir, vai, mas é a sequela. Sequelas incomodam, às vezes irritam, coçam, às vezes exigem remédios que dão sono.

Sequela. Grandissíssima palavra.

Penso inclusive em iniciar uma campanha: já que andaram fazendo o tal acordo ortográfico, então façamos algo positivo nessa história: adotemos, no Brasil, o uso da sequela.

SEQUELA JÁ!

Um comentário:

Pena Cabreira disse...

Excelente! sequela já. Adotei.
Grande abraço,
Pena.