quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Por Causa da Metáfora



Não sou um dos 10³ maiores admiradores do Bispo Edir Macedo e de seus gloriosos negócios. Mas dia desses (ou daqueles), li na Zero Hora uma notinha que me deixou de queixo caído*. Dizia o texto no periódico que um casal paranaense havia entrado na justiça contra a Igreja Universal, exigindo indenização. E depois de entrar na justiça, o par romântico saiu de lá com uma sentença a seu favor. A firma do seu Edir terá que pagar aos dois, sim, senhor. O motivo?

Aí que os butiá me caíram do bolso**.

O duo havia procurado a Igreja & Cia LTDA porque estavam endividados e, pelos vistos, acreditavam que só um milagre, nem a Sena, pagaria suas contas. Pues bem, nas instalações do senhor Edir Macedo, ouviram ou leram (o jornal não esclarece) que quanto mais você der a Jesus, mais você recebe de volta. Eu ouviria isso e ia pensar nos meus carnês. Mas o que os anjinhos ingênuos da Igreja Universal decidiram fazer? Venderam tudo o que tinham e deram pra Igreja do Bispo.

E aí eu pensei: Mas o quê?
E depois pensei: E a metáfora, Suposto?

Vem cá***, por acaso, a dupla-dinâmica também cogitou sair dando esmolas por aí, porque quem dá aos pobres empresta a Deus? Ou será que, quando com pressa, eles procuram sempre o último lugar da fila, já que os últimos, bem, tu entendeu, Suposto.

Não vou sair em defesa da Edir Macedo’s Co., mas me preocupo com o fim da ironia e da metáfora****. Depois desse bem sucedido processo contra a Universal, me pergunto se eles vão ter que, daqui para frente, ter asteriscos nas suas mensagens. Ou, como quase tudo lá é dito e, convenientemente, não escrito, será que ele vão ter que ter, a cada mensagem de louvor ou promessa de milagre, uma mensagem corrida, tipo aquela que vem depois das propagandas de remédio: esteremedionãoéindicadoparagestantescriançaspacientescomsuspeitadedengueechinchilas? Algo, como:
- Recebam, irmãos (atenção: não estamos falando que somos da mesma família), a luz do senhor (luz meramente ilustrativa, não faz referência a fontes de energia, velas ou assemelhados).

E se as coisas forem por esse caminho, pelo amor de deus, onde vamos parar?*****Quando o sujeito disser, ao voltar do futebol, que massacraram o adversário, vão abrir um processo, afinal de contas, vá saber se isso não era na verdade uma confissão. Ou quando alguém disser, no trabalho, que uma determinada tarefa vai levar um século pra ser concluída, o desprevenido funcionário vai bailar****** por justa causa? Oras, alguém que leva 100 anos pra executar uma tarefa que levaria, vá lá, uma semana não pode permanecer nos quadros de nenhuma empresa. Ou ainda, o supracitado par romântico, depois de faturar a indenização, faz um jantar pra comemorar, o clima esquenta e, na hora do amor, ela diz pra ele:
- Vem, me mata, me mata.

E o sujeito, não tem dúvidas, saca o três oitão e manda bala sem sentido figurado.

Alguém dirá que eu estou exagerando. Mas o meu temor é de que não. De que, quando as pessoas começam a fazer ironias que terminam com “Só que ao contrário” ou “Só que não” e palavras começam a ser proibidas de dicionários por um dos seus tantos sentidos, a gente esteja muito perto de um mundo em que se tem que tomar cuidado com tudo o que se diz. Cuidado ao dizer Muito obrigado. Porque se tu disser isso ao mecânico, está dizendo Me sinto muito obrigado a retribuir-lhe esse favor numa outra ocasião, que é a origem da expressão. E daí  já viu, se tu disse, tá dito: vai ter que consertar o vazamento do fuca do cara.

Fato é que o casal ganhou o processo. E que, se alguém me disser Deus te dê em dobro, vou pedir uma certidão passada em cartório do Céu e assinado embaixo 'Deus', e com firma reconhecida para ter certeza de que vou receber em dobro.


* Atenção: isto é uma metáfora. Está tudo bem com o meu queixo, segue no mesmo lugar de sempre.
** Isso é uma figura de expressão, nunca levei butiás no bolso, nem imagino porque o faria.
*** Não, não precisa vir, é só um recurso de linguagem, pode ficar aí lendo.
**** Dessa vez não é uma metáfora não. Me preocupo com os politicamentecorretismos, com essa ideia de um mundo pão-pão, queijo-queijo, sem abstrações, ironia e humor que se vê latente por aí.
***** Não se preocupe, Suposto, não estou perdido; isso é uma pergunta retórica.
****** Eu quis dizer “ser demitido”, é uma figura de expressão aqui do Brasil.

2 comentários:

Pena Cabreira disse...

Muito bom. Este ano em Portugal te deixou sequelas

Pena Cabreira disse...

Obsessões pela lógica lusiitana, essa doença vai dar certo.