Rapidinho como quem rouba: Suposto Leitor, tu que é um
carinha dedicado à leitura, suponho, já viu o discurso do Rufatto na abertura
da Feira do Livro de Frankfurt desse ano? Melhor que ver, leu? Bom, tá aqui. E
sabe que, no ultimo dia, o Paulo Lins falou que não é a lista de 70 autores
enviados pelos Brasil que é racista, é o próprio Brasil que é racista? Declarações
fortes por todos os lados. Fora do protocolo. Mas não é disso que eu quero
falar. É do futuro.
Da Finlândia.
Sim, nesse momento (a Feira acabou ontem) tenho a
impressão, o cutuque, de que um escritor finlandês sofre. Arrepia-se. Perde o
sono. Não consegue escrever.
A Finlândia é o próximo país homenageado na maior feira
do setor editorial do planeta. Vai mandar escritores, montar estande, fazer
negócios e um discurso de abertura. Hemmetti, mitä aion sanoa tämän jälkeen
vitun Rufatto puhe?*, está se perguntando o famoso escritor finlandês (se o
Google Translator não me derrubou) nesse exato momento, pensando, na sua
arrogância, que ele pode ser o eleito (ou condenado) a falar na abertura do
evento e que, mais do que isso, não dá pra passar em branco, já não dá mais pra
dizer Obrigado, É um honra, Vamos espalhar o finlandês pelo mundo, É uma grande
oportunidade, Escrever em finlandês é um ato de resistência, Estamos
dissolvendo fronteiras. Não, o escritor finlandês procura uma ferida pra tocar.
Cutuca, cutuca e não dói. Ele quer que um escritor finlandês mais velho, que
lutou contra a falta de problemas do passado, ele quer que esse histórico
escritor brade ao fim do discurso retumbante:
- Se não tem problemas pra você, vá embora.
E eu me compadeço do pobre escritor finlandês e fico
pensado no que ele dirá. Quem sabe, Suposto e escritor finlandês, a coisa possa
ir por levantar uma bandeira nacionalista, A Nokia é nossa? Ou, então, pedir
uma melhor, mais solidária e equânime distribuição de sol? Como assim, dias
inteiros de sol e dias inteiros sem o sol? Como fazer uma literatura ambígua,
densa, num clima tão maniqueísta? Ou exigir mais e melhores traumas de
infância: num país seguro, com uma das melhores educações do mundo, renda
percapta idem, transporte idem, saúde idem, um país que pode ser explicado com
idem, onde está a angústia, onde está o medo, onde reside a dúvida pro
escritor finlandês dialogar com o mundo? Ou mais melanina? É isso.
Taí, acho que taí, o escritor finlandês pode exigir mais
melanina pro povo, como é que o finlandês pode se integrar na comunidade global,
desbravar o sul, os trópicos, uma prainha na Polônia que seja, tendo que
lembrar toda hora de reaplicar o bloqueador FPS 158? E, depois, quanto maior o
FPS, mais melequenta é a coisa, não espalha direito nas costas, fica aquela
marca ridícula, e a gente sempre se esquece de passar nos pés e na nuca e é impossível
dormir, botar o sapato ou desbravar o mundo com o pé e a nunca ardendo. Claro
que é. Taí. Acho que o escritor finlandês já tem um discurso. Já pode meter o
dedo na ferida.
Só que o sistema de saúde lá é bom, e essa ferida já
sara.
*God dammit, what i'm gonna say after this fucking Rufatto's speech? [nota: em inglês, porque o escritor finlandês não imagina como seja o português]
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