Mas esse brasilzão é
lindo e fagueiro e brasileiro e, vamos combinar, um capítulo
dalguma ficção que alguém tá escrevendo por aí. Não é à toa que o José Simão diz que é o país da piada pronta. Que é isso?, o Suposto vai me perguntar, só
porque voltou da Europa vai ficar todo narizinho de cheirar pum, metidinho,
chamando a pátria mãe de terceiro mundo?
Não, Suposto. Segura aí o
patriotismo. É que eu fui no supermercado hoje e me deu um estalo que já
tinha me dado outras vezes. Minha humilde compra deu nove e cinquenta e sete,
mas a moça do caixa, gentil e matematicamente, anunciou o preço:
nove e cinqeenta e cinco. Promoção? Não, jeitinho. E aí vem o caráter ficcional da brasilidade:
Somos um país que aboliu as moedinhas de 1 centavo e
nunca teve 2. Não é aquela conversa de que nós deixamos as moedinhas em casa, que aqui
moeda não tem valor. Não, Suposto: é pra valer, já faz um tempo que o poder central disse Vamos parar com essa
mixaria, país rico é país sem centavos. Sim. Ok. Parece que as moedas custavam mais do que
valiam, é mole. 10 vezes mais. Mas tudo bem, tudo muito bonito, porém,
contudo, todavia, entretanto, cortou-se o 1 centavo da fauna monetária
brasileira, mas não dos preços do varejo tupiniquim. Vai no super agora, ou no shopping, onde
tu quiser, meu amigo, e constata: do lado direito da vírgula,
valores terminados em 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8 e 9 centavo seguem desafiando a
realidade.
– Deu dois e noventa e sete, doutor.
Dou três moedinhas de 1 real e o que recebo em
troca? Talvez um Boa tarde, um Muito obrigado, um Volte sempre, um Etc. Minto.
A criatividade brasileira é sem fim: no restaurante, lógico, como me esquecer, recebo balinhas de
troco, que depois não serão aceitas pra pagar o cafezinho ou pra comprar dólares
na casa de câmbio ou a passagem de ônibus, nem pra depositar na minha conta na Suíça.
Brasil, o país da bala-moeda. Com perdão do chulismo, não
poderia ser melhor: pega o troco e chupa, camarada. É, é ou não é? É.
Mas no Zaffari, essa catedral supermercadística
gaúcha, pelo menos tu compra um pouquinho de consciência
leve – e não precisa pesar no setor de hortifruti. Adquiriu aquele quilinho
de costela minga com uns sete cacetinhos pro churrasco pelo montante de
quatorze e quarenta e três e, não tenha dúvidas, a benevolente caixa vos perguntará, meu
cândido irmão: Deseja doar (míseros, parece que ela diz com o olhar) dois centavos para o
Hospital de Pronto Socorro ou para o Hospital da Criança com
Diabetes (ou quer guardar no porquinho, seu avarento)? Alguma dúvida
de que ninguém jamais negou-se a essa caridade instantânea?
Ainda bem, né? Claro, pela ajuda. Mas também porque, diz aqui pra mim, e se eu olho com
cara de cachorro triste pra caixa do super e digo Moça,
desculpe, mas tou desempregado, meu filho tá doente e eu preciso desses dois centavos pra
levar ele de ônibus pro hospital, oh, o que aconteceria? Uma sirene piscando na Casa
da Moeda, uma máquina enferrujada, começando a soltar fumaça
preta pra cuspir duas moedinhas de um,
que seriam embaladas a jato e entregues por um motoboy pra mim, ao custo de
duzentos e quarenta e nove reais e setenta e seis centavos? – valor
para o qual ninguém teria troco?
Olha: imagino os complexos cálculos
de lucros, demandas, entradas e saídas e noves fora que consomem meses de uma
equipe pra determinar que a minha cervejinha custe dois e sessenta e nove e, não,
deusulivre, não dois e setenta ou dois e sessenta e cinco. Mas, gente, alguém
precisa avisar a turma das porcentagens e das matrizes e das trigonometrias que
todos esses cálculos levam a um número inexistente na realidade. Claro, há os
cartões e os cheques. Mas também, lembrem-se, não há. Por
que não simplificar? Será isso uma sórdida ação das companhias de cartões pra que a gente se dê
conta de que as compras feitas com plástico são sempre entre quatro e um centavos mais
baratas? Será? Se bem que hoje a menina do Nacional abateu dois centavos da
minha fatura, arredondou pra baixo. Então, não. Não precisamos boicotar a Visa. Então
haverá um estatuto da OMC que manda que se cobre números
quebrados, em prol da tradição do zero com noventa e nove e seu mais que estudado efeito psicológico.
Por mim, o Brasil poderia proibir por lei valores que não
fossem arredondados e pronto. Acho que a OTAN não nos invadiria, tampouco nossa soja sofreria
retaliações. O mundo ia seguir o mesmo, e nós vamos seguir fazendo o mesmo que hoje: pagar
dois e cinquenta ou dois e cinquenta e cinco. E o Zaffari que depois desconte
dois centavos das minhas compras pra caridade ou mais, se ele quiser. Autorizo.
Mas sem fingir que ele me deu a opção de ter meu troco de volta.
Um comentário:
Sensacional, Reginaldo! Essas tuas tiradas cômicas deixa a gente viciado no blog! Não deixe de atualizar! Abração!
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