Uma das coisas engraçadas de se
viver em Portugal é, de uma hora pra outra, se descobrir brasileiro. Não digo,
assim, viver o clichê malemolente da saudade do guaraná e da Brahma. Não sou dessas coisas, embora tenha aprendido a fazer feijão. O que eu quero dizer é o
seguinte: é que eu me acostumei, nessa minha vida, a ir a Bagé, dizer qualé
magrão e ser automaticamente identificado como de Porto Alegre. A ir ao rio e
dizer Bah, e automaticamente ser identificado como do Rio Grande do Sul. A ir
aos EUA e dizer de onde vim, por que e que não tenho nenhuma arma e
automaticamente ser reconhecido como de Buenos Aires, Brasil. E agora e já há
uns meses, por mais tri, mais bem capaz, mais dá-lhe Grêmio que eu fale, meu
sotaque é automaticamente identificado com o do pescador da novela ou com o
bispo da Record – que, sim, Suposto, tem audiência aqui. Foi-se a diferença,
findou-se o regionalismo. Chamar um gajo de bagual ou meu rei dá no mesmo. Um
dos portuguas dono do apartamento onde morei por aqui logo que cheguei
continuaria me imitando com sotaque de mineiro, dizendo e aí, menino, fala
bróder – sim, Suposto mineiro que fala bróder, esse é o clima. O que, na
verdade, não tem problema nenhum pra mim. Não vim a Portugal montar CTG,
divulgar as façanhas da nossa terra, nem amarrar meu cavalo no Marquês do
Pombal.
O problema é que, da mesma forma
que adquiri entonação e pronúncia do Bem Amado Sinhozinho Malta Bonner, me
tornei um receptáculo de toda a cultura brasileira, sou um verbete do Wikipédia
que anda. O professor quer saber o nome de um poeta simbolista brasileiro que
só ele leu, me lança aquele sorriso cúmplice – afinal somos dois especialistas
em Brasil – e me pergunta, como era mesmo nome? A colega vai perder o capítulo
da novela e, ora bolas, o Reginaldo é brasileiro, pode me contar o que
aconteceu? O Vitória de Guimarães contrata um zagueiro do Anapolina e um
camarada, ouvindo meu sotaque no metrô, me pergunta se este gajo vale 500 mil
euros. Uns amigos querem oferecer um jantar brasileiro e ligam pra perguntar a
receita do mocotó. Não sabe? Serve vatapá, acarajé. A senhora da mesa ao lado
no restaurante me pergunta a marca do laquê da Dilma. O velhinho saindo da
agência de viagens quer saber os melhores programas pra se fazer em três dias
na Amazônia. E é tão estranho, a coisa mais exótica do Brasil lindo e
trigueiro, eu não saber responder essas coisa. Epá, não és brasileiro? Pois é,
é que está escrito no meu título de residente.
Pô, e isso logo comigo que, antes
de vir, me esforcei pra ler mais uns autores portugueses e pra saber um
pouquinho da história lusa pra evitar que me matriculassem num colégio em vez
da universidade. Agora, fico pensando se não errei, se não deveria ter
mergulhado nas minhas raízes, feito aula de capoeira, aprendido a sambar, a
tocar berrante e decorado toda a poesia brasileira.
Mas o pior não é isso. Já é fato
consumado e acostumado. Já aprendi a franzir a testa e a dizer hm... agora não
me ocorre o nome do jockey que ganhou o grande prêmio de SP de 82 e a ignorar o
sorriso que vem do lado de lá me dizendo que eu sou um brazuca fajuta.
O problema é prever que, de volta
ao Brasil, a coisa só vai piorar. Se 30 anos de Brasil me fazem essa vergonha
nacional, imagina com esse pouco tempinho aqui. Prevejo os pedidos pra recitar
os manuscritos perdidos de Camões, as consultas sobre a marca do gel do
Cristiano Ronaldo, as perguntas sobre o apelido do Pedro Álvares Cabral, os
questionamentos gravíssimos sobre como harmonizar pastel de nata com vinho do
porto, as consultas sobre o nome daquele pintor expressionista português, sabe
aquele e, por fim, a inevitável indagação: mas vem cá, tu morou lá ou não? Pois
é.
A sensação é que vim estudar aqui na terrinha pras ver se aprendia alguma coisa e vou é voltar me sentindo ignorante ao quadrado.
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