segunda-feira, 21 de maio de 2012

Por causa do sotaque moleque, do sotaque malemolente


Uma das coisas engraçadas de se viver em Portugal é, de uma hora pra outra, se descobrir brasileiro. Não digo, assim, viver o clichê malemolente da saudade do guaraná e da Brahma. Não sou dessas coisas, embora tenha aprendido a fazer feijão. O que eu quero dizer é o seguinte: é que eu me acostumei, nessa minha vida, a ir a Bagé, dizer qualé magrão e ser automaticamente identificado como de Porto Alegre. A ir ao rio e dizer Bah, e automaticamente ser identificado como do Rio Grande do Sul. A ir aos EUA e dizer de onde vim, por que e que não tenho nenhuma arma e automaticamente ser reconhecido como de Buenos Aires, Brasil. E agora e já há uns meses, por mais tri, mais bem capaz, mais dá-lhe Grêmio que eu fale, meu sotaque é automaticamente identificado com o do pescador da novela ou com o bispo da Record – que, sim, Suposto, tem audiência aqui. Foi-se a diferença, findou-se o regionalismo. Chamar um gajo de bagual ou meu rei dá no mesmo. Um dos portuguas dono do apartamento onde morei por aqui logo que cheguei continuaria me imitando com sotaque de mineiro, dizendo e aí, menino, fala bróder – sim, Suposto mineiro que fala bróder, esse é o clima. O que, na verdade, não tem problema nenhum pra mim. Não vim a Portugal montar CTG, divulgar as façanhas da nossa terra, nem amarrar meu cavalo no Marquês do Pombal.

O problema é que, da mesma forma que adquiri entonação e pronúncia do Bem Amado Sinhozinho Malta Bonner, me tornei um receptáculo de toda a cultura brasileira, sou um verbete do Wikipédia que anda. O professor quer saber o nome de um poeta simbolista brasileiro que só ele leu, me lança aquele sorriso cúmplice – afinal somos dois especialistas em Brasil – e me pergunta, como era mesmo nome? A colega vai perder o capítulo da novela e, ora bolas, o Reginaldo é brasileiro, pode me contar o que aconteceu? O Vitória de Guimarães contrata um zagueiro do Anapolina e um camarada, ouvindo meu sotaque no metrô, me pergunta se este gajo vale 500 mil euros. Uns amigos querem oferecer um jantar brasileiro e ligam pra perguntar a receita do mocotó. Não sabe? Serve vatapá, acarajé. A senhora da mesa ao lado no restaurante me pergunta a marca do laquê da Dilma. O velhinho saindo da agência de viagens quer saber os melhores programas pra se fazer em três dias na Amazônia. E é tão estranho, a coisa mais exótica do Brasil lindo e trigueiro, eu não saber responder essas coisa. Epá, não és brasileiro? Pois é, é que está escrito no meu título de residente.

Pô, e isso logo comigo que, antes de vir, me esforcei pra ler mais uns autores portugueses e pra saber um pouquinho da história lusa pra evitar que me matriculassem num colégio em vez da universidade. Agora, fico pensando se não errei, se não deveria ter mergulhado nas minhas raízes, feito aula de capoeira, aprendido a sambar, a tocar berrante e decorado toda a poesia brasileira.

Mas o pior não é isso. Já é fato consumado e acostumado. Já aprendi a franzir a testa e a dizer hm... agora não me ocorre o nome do jockey que ganhou o grande prêmio de SP de 82 e a ignorar o sorriso que vem do lado de lá me dizendo que eu sou um brazuca fajuta.

O problema é prever que, de volta ao Brasil, a coisa só vai piorar. Se 30 anos de Brasil me fazem essa vergonha nacional, imagina com esse pouco tempinho aqui. Prevejo os pedidos pra recitar os manuscritos perdidos de Camões, as consultas sobre a marca do gel do Cristiano Ronaldo, as perguntas sobre o apelido do Pedro Álvares Cabral, os questionamentos gravíssimos sobre como harmonizar pastel de nata com vinho do porto, as consultas sobre o nome daquele pintor expressionista português, sabe aquele e, por fim, a inevitável indagação: mas vem cá, tu morou lá ou não? Pois é.

 A sensação é que vim estudar aqui na terrinha pras ver se aprendia alguma coisa e vou é voltar me sentindo ignorante ao quadrado.

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