“Frescura diária”. Eu leio isso todo dia aqui em Lisboa quando vou no super comprar uma carne, um frango, um vegetal não congelado. Tá escrito nas embalagens: frescura diária. No começo, eu até pensava qualé, tá me tirando? Depois veio uma breve aceitação reflexiosa: será uma coisa Pepeu Gomes, ser um homem feminino não fere o meu lado masculino, todo mundo tem que ter sua dose diária de frescura, homens também choram? Não, não é isso, e agora vou me acostumando com o pessoal do super me dizer que eu tenho uma frescura diária – ainda penso que eles podia dizer “alimentos frescos todos os dias” – mas vá lá, ser cosmopolita no tal mundo sem fronteiras é um pouco isso, aceitar as culturas, né, ô, Suposto?
E tem que aceitar mesmo, porque no sábado, apesar da minha frescura diária, tive que dar o braço a torcer ao português² (ué, o português-português, duas vezes português). É que eu saí do cinema no sábado à noite questionando a minha arrogância, a minha autosuficiência, o escambau. Quem sou eu pra questionar como se fala a língua de Camões, justo na terra do Camões? Os sujeitos já falavam português muito antes do primeiro “terra a vista, o pá!” se avizinhar do Brasil brasileiro. Vamos combinar, Reginaldo, eles têm alguma experiência em escolher a palavra certa, a expressão correta pras coisas.
O Suposto deve estar se perguntando que filme que eu vi pra sair pensando essas coisas.
Não foi o filme não, Suposto Leitor. Foram umas curiosidades e pequenas informações cinematográficas que passam antes dos trailers, foi nesse momento que a ficha caiu. Tava eu olhando a tela e de repente leio a notícia de que a Universal Pictures pretende filmar de uma vez só as duas próximas sequelas de Velocidade Máxima e... Filmar o quê? Filmar as sequelas do Velocidade Máxima.
Tchê, não é continuação.
Nem sequencia (liguei pro Google pra confirmar se era sequela mesmo e não sequência)
E é sequela mesmo. Brilhantes minutos de sabedoria – e de ignorância minha que não conhecia os outros sentidos de sequela.
Mas já parou pra pensar? Então para: as continuações, esse pedaços, na maioria das vezes, defeituosos, essas pernas mancas, essas pelancas dos filmes originais, são muito mais sequelas do que sequencias. Sequência é um, dois, três, quatro, uma soma, a continuação natural das coisas. Ou seja, depois do supreendente De volta pro futuro, do grande Rock, de qualquer filme, se viesse uma sequência, como nós do senso comum entendemos a palavra, o que deveria vir é um acréscimo ao filme original, a continuação do êxtase, do maravilhamento. Mas a gente sabe que quase nunca é assim. Acréscimo na parte II, III, IV, em geral, só de dólares nos bolsos dos produtores, atores, diretores. E de paciência no nosso saco depois de mais uma vez termos pensamos “ah, vai que dessa vez a continuação é melhor”.
Pois então que palavra perfeita essa sequela portuguesa. Seria a maior descoberta de Portugal desde o Brasil? Não sei, mas ela diz tudo. Diz sim. Vai lá no Houaiss e confere. O Sexta-feira 13 XXIV, enquanto sequela, permanece sendo mais um filme que segue ao original. Mas, mais do que isso, sendo sequela em vez de sequencia, já é um aviso, um adesivo na carteira de cigarro, pro espectador: rapaz, esta é a sequela do Indiana Jones. Quer ir, vai, mas é a sequela. Sequelas incomodam, às vezes irritam, coçam, às vezes exigem remédios que dão sono.
Sequela. Grandissíssima palavra.
Penso inclusive em iniciar uma campanha: já que andaram fazendo o tal acordo ortográfico, então façamos algo positivo nessa história: adotemos, no Brasil, o uso da sequela.
SEQUELA JÁ!
Um comentário:
Excelente! sequela já. Adotei.
Grande abraço,
Pena.
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