terça-feira, 19 de julho de 2011

Por Causa dos Clássicos

Suposto Leitor, desapareci. Sumi. Por causa dos clássicos, entre outros motivos. Explico: andei às voltas com um texto pro jornal Zero Hora sobre os 50 anos da morte do Hemingway. Além de escrever, não pude deixar de ler um pouco sobre o assunto.

Passado isso, que já faz uns 15 dias, me aparece mais uma: sou o juiz convidado pra hoje, 19 de julho, às 19h30, apitar uma partida do Sport Clube Literatura. É um evento organizado pela Lu Thomé, pro Studio Clio aqui de Porto Alegre, em que livros (ou autores) são colocados frente a frente, numa partida, num jogo. E dois juízes tem a missão de apitar o resultado.

Pois bem, eu e o Rodrigo Rosp fomos escalados pra apitar Machado de Assis x Tchekov. Um clássico. E, pra não ser intimidado pela experiência dos atletas, tive que me entregar à leitura de mais alguns clássicos.

Buenas, em breve volto. Mas pro Suposto não se achar abandonado, deixo o convite: aparece hoje no Studio Clio. E também deixo o texto que saiu na Zero Hora (e um vídeo sobre ele).

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UM CLÁSSICO DO SÉCULO 20

Uma das coisas que eu sei sobre Ernest Hemingway, além do fato de a data de hoje marcar 50 anos da morte dele, é que o vencedor do Prêmio Nobel de 1954 acreditava no seguinte: escrever com verdade. E a verdade é que o convite pra falar sobre a passagem desse 2 de julho acabou me pegando de susto, porque, sejamos sinceros, não sou especialista em Hemingway. Não li toda sua obra, não conheço toda sua vida.

E foi por isso que topei escrever aqui.

Porque, apesar de não ser um profundo conhecedor da bibliografia e da vida dele, de não saber quanto calçava, sua comida preferida ou se tinha um tique nervoso muito esquisito, percebi que, mesmo assim, eu tenho minhas relações, opiniões e até algumas ideias sobre esse escritor que se matou há cinco décadas com um tiro de espingarda. E, ao me dar conta disso, das minhas ideias sobre o assunto, comecei a achar que, de fato, Hemingway é dessas coisas que, das maneiras mais variadas, faz parte da minha vida. E da sua também. Aí me senti em condições de escrever não com verdades históricas, sem querer ficar listando aspectos biográficos, ou curiosidades do Google, como “Hemingway escrevia de pé”. Mas, ao contrário disso, com o tipo de verdade que o autor buscava em seus textos, uma verdade pessoal sobre o tema. Sobre Hemingway pra mim.

Um exemplo da presença dele é que eu poderia ficar horas falando só do simples tormento que esse cara significa pra quem é ou foi ou será aspirante a escritor. Já passou por uma oficina literária? Já se meteu a mostrar seus textos pra alguém? Com certeza então você ouviu falar da teoria do iceberg, da história submersa, dos contos e dos diálogos do Hemingway e tentou reproduzir, tentou absorver e, no final das contas, só tentou.

Frustrações à parte, se a importância do autor ficasse restrita a lições e exemplos literários, vamos combinar, sequer essas linhas aqui estariam sendo lidas por você. Assunto pequeno, talvez. Só que, me parece, o buraco é mais embaixo. Bem mais embaixo. Mesmo quem não escreve, mesmo quem não é chegado em livros, se for perguntado agora, na rua, se já ouviu falar de O Velho e o Mar, vai, no mínimo, olhar com cara de “isso não me é estranho”.

E não é mesmo. E também não é irrelevante.

Hemingway, acreditem ou não, até num país de analfabetos funcionais, arrisco a dizer, é pop. Guardadas as proporções, me parece um tanto Cervantes século 20. Assim como o pai do Quixote, o autor americano se transformou nessas figuras míticas, até pra quem não é um leitor aprofundado (ou inclusive pra quem não o conhece). Um nome que é sinônimo de escritor e o tipo de artista – também como Kafka ou Dante – que gera um vocabulário próprio e lendas muitas que giram ao redor de si e das suas criações. São escritores cujos personagens se tornam pessoas vivas pra muita gente e, eles mesmos, viram personagens do imaginário coletivo. Estou exagerando?

Acho que não.

Ernest Hemingway faz parte de um time de grandes autores que, de tão grandes, muitas vezes acabam se tornando vítima de uma espécie de injustiça: a de se exaltar mais as peculiaridades do homem que a obra. Não que ele não tenha dado motivos pra isso. De ser sparring com Miró em Paris a caçar leões na savana; da participação na I Guerra e na Guerra Civil Espanhola ao seu suicídio, Hemingway parecia estar escrevendo os próprios capítulos e reforça, nesse sentido, a comparação com Cervantes que foi escravo, que perdeu uma das mãos, que escreveu na prisão. O tipo de escritor que, produzindo ou não metaficção, se transforma em personagem. Torna-se latente nas nossas memórias.

Bate-papo com Luiz Araújol de ZH, sobre Hemingway e quetais


Continua achando exagero? Pois repara no seguinte.

Há duas semanas fui ao cinema. Era sábado à noite, em um shopping, e uma sala inteira, lotada do melhor exemplo do público pipoca, foi às gargalhadas na cena em que Gil (protagonista de Meia-noite em Paris, de Woody Allen) se encontra com Hemingway. Todos ali tinham lido Por Quem os Sinos Dobram ou Adeus às Armas? Admiram as narrativas curtas do autor? Estão cursando mestrado em literatura? Claro que não. Mas Hemingway, apesar do propalado analfabetismo funcional do Brasil e dos raros-livros-por-habitante lidos anualmente no país, era um símbolo comum pra todos os espectadores. Tinha significado (sabe-se lá qual ou quais) pra cada um na plateia. E acho que isso não é pouca coisa não.

Claro, não sou louco. Não estou querendo negar aqui que é mais provável que nove em cada dez pessoas, hoje em dia, conheça melhor a produção do Justin Bieber do que do Ernest Hemingway. Não duvido que seja assim. Mas dá sim uma alegriazinha pensar que um escritor dos bons pode ter todo esse significado, 50 anos depois da sua morte, sem ter Facebook. Ou Twitter. E que alguém ainda pode ser pop sem depender de um vídeo vazando na internet.

Mas também dá um pouco de medo. De que Hemingway possa ser só mais uma palavra esvaziada de sentido como tantas outras repetidas à exaustão nos dias atuais. Um autor muito conhecido, mas pouco lido. Uma citação fácil e bonita de se fazer. Uma curiosidade pra contar pros amigos. Por via das dúvidas, acredito que o mais importante nessa data, depois de assumir que não sou expert no assunto, seja ler mais um pouco do que ele escreveu. E é o que eu vou fazer.

(Texto publicado no Caderno de Cultura da Zero Hora, em 2/7/2011)


Um comentário:

Nelson Safi disse...

Bom texto, Reginaldo. O interessante é que, logo que comeei a ler, lembrei do filme que vieste a citar. E, outra curiosidade, pensei em reler o que li faz muitos anos (Por quem os sinos dobram) e outros dois que tenho na fila de espera, mas, até então, não me animava.
Afinal, o cara não é clássico à toa.
Abraço,

N.